DANO MORAL: MOTIVAÇÃO E REALIDADE NA SOCIEDADE DE CONSUMO

Direito

Análise sobre a motivação, a realidade e a aplicabilidade do  dano moral nas relações de consumo na sociedade moderna.

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1. RESUMO

A presente monografia tem por objetivo estudar o instituto do Dano moral na sociedade atual, com ênfase em sua motivação e realidade. Foi elaborada em três capítulos que discorrem sobre quem é o consumidor na história e como ele é influenciado, a responsabilidade civil decorrente da relação de consumo e a motivação do dano moral na sociedade de consumo. É justificada pela importância da aplicação do  dano moral na atualidade. Para compreender tal aplicação, é mister entender a  evolução histórica e jurídica do consumo e o instituto do dano moral, buscando  compreender a razão de sua reincidência.  Busca-se, aqui, compreender de forma panorâmica e geral os princípios, características, peculiaridades e direitos contidos no âmbito protetivo ao consumidor, para em seguida explorar os motivos de esse ser lesado moralmente. Esse estudo está fundamentado principalmente no  Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), na Constituição Federal, nos  registros históricos, estatísticas e na jurisprudência pátria.

Palavras-chave: Consumidor. Sociedade. Dano moral. Lei 8.078/90.

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ABSTRACT

This monograph aims to study the moral damage institute in today's society, with an emphasis on its motivation and reality. It was elaborated in three chapters that talk about who the consumer is in history and how he is influenced, the civil liability arising from the consumption relationship and the motivation of moral damage in the consumer society. It is justified by the importance of applying moral damage in the present time. To comprehend this application, it is necessary to understand the historical and legal evolution of consumption and the institute of moral damage, seeking to understand the reason for its recurrence. The aim here is to understand in a panoramic and general way the principles, characteristics, peculiarities and rights contained within the scope of consumers’ protection, and then explore the reasons why they are morally injured. This study is mainly based on the Consumer Protection Code (Law 8,078 / 90), the Federal Constitution, historical records, statistics and domestic jurisprudence.

Keywords: Consumer. Society. Moral damage. Law 8.078 / 90.

2. INTRODUÇÃO

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Este trabalho tem por escopo examinar a motivação, a realidade e a aplicabilidade do  dano moral nas relações de consumo na sociedade moderna.   Especificamente, objetiva-se traçar o histórico do consumidor, discorrer sobre a responsabilidade civil decorrente da relação de  consumo e, por fim, evidenciar a possível motivação da reincidência do dano moral na  sociedade de consumo.

Desde os primórdios, é possível obter relatos de que o homem  estabeleceu mecanismos de troca, compra e venda para suprir suas necessidades  básicas e vitais. Essas necessidades se expandem em consonância com o avanço  da ciência e tecnologia, saindo do plano básico.

No primeiro capítulo, objetivou-se descrever as características históricas do consumidor, bem como conceituar e caracterizar a sociedade de consumo. No segundo capítulo, o direito brasileiro foi analisado, com ênfase na Constituição Federal e no Código de defesa do Consumidor. No terceiro capítulo, o tema principal foi o instituto do dano moral, com analise de dados estatísticos e da jurisprudência pátria.

No presente trabalho foi utilizado o método de compilação a partir de livros, trabalhos científicos, dissertações sobre o tema, pesquisas de sites oficiais. A referida monografia possui conteúdo que foi extraído de estudos e pesquisas, além de estatísticas e decisoes judiciais.

Na modernidade, com a evolução dos instrumentos de persuasão para o  consumo, o ser humano, influenciado pelos meios midiáticos, passou a desenvolver o consumismo, que se traduz no consumo de bens, muitas vezes, desnecessários. Com a vulnerabilidade do consumidor frente às técnicas de marketing, mister se fez  criar meios de protegê-lo e garantir a sua segurança e o bem-estar, desde a pré até  a pós-venda. 

Desse modo, no Brasil, em 1990, foi instituído o Código de Defesa do  Consumidor, para assegurar os direitos específicos inerentes ao consumidor. O  referido Código dispõe sobre a responsabilidade civil do fornecedor para com o  consumidor que vier a ser lesado. Impende frisar que tal responsabilidade é objetiva  - independente da comprovação de dolo ou culpa – e solidária.  

O Código Civil de 2002, por sua vez, dispõe sobre o instituto do dano  moral. Parafraseando tais artigos, tem-se que aquele que causar dano a alguém,   decorrente de ato ilícito, é obrigado a repará-lo, de modo proporcional à extensão do  dano.

Ademais, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso I, também assegura a indenização por dano moral. Destarte, caso a responsabilidade  civil do fornecedor seja efetivamente provada, para o consumidor que for ferido em  sua esfera psíquica, moral e/ou intelectual, é cabível o dano moral.

Na modernidade, após o advento do Código de Defesa do consumidor, o dano moral tem sido amplamente requerido pelo consumidor. Prova disso é que O  Relatório Justiça em Números, o qual indica os temas mais demandados nos  tribunais, registrou, no ano de 2017, o tema “Direito do  Consumidor/Responsabilidade do fornecedor/Indenização por dano moral” como o  assunto mais recorrente nos juizados especiais (1.234.983 processos) e nas turmas  recursais (144.754 processos).[1]

Apesar de os consumidores possuírem direitos inerentes à sua condição, é  cognoscível que muitos não são aplicados antes de o dano ser constatado. Seja  pela desigualdade de poder entre fornecedor e consumidor, pelas técnicas de  persuasão que as empresas dispõem ou pelo desconhecimento que a maioria dos  consumidores tem dos seus direitos.

A aplicação do dano moral é algo pacífico entre os tribunais e a doutrina  brasileiros. Entretanto, é visível que há uma grande problemática em relação à  motivação de os consumidores serem tão lesados, reiteradamente.

Diante de todos  esses dispositivos legais, os quais têm por fim resguardar os direitos dos  consumidores, tendo em vista, inclusive, a sua força coercitiva cujo um dos  propósitos seria evitar a lesão a seus direitos, é difícil não questionar o porquê do  crescimento e da reincidência dos danos morais na sociedade atual.

CAPÍTULO I – O CONSUMIDOR NA HISTÓRIA

A antropologia entende que a formação da sociedade de consumo se dá a partir da cultura e do contexto social em que se está inserido. Todavia, a história também traz algumas motivações para tal formação, haja vista que a trajetória do consumidor mostra a sua vulnerabilidade e o surgimento de mecanismos capazes de “facilitar” as compras e aumentar a demanda, com o fito de comercializar o excedente de produção.

Em consonância a isso, os métodos de persuasão e o neuromarketing passaram a ser estudados e aplicados, também com o objetivo de alavancar as vendas. O resultado disso é a inegável formação da sociedade de consumo, a qual carrega consigo diversas problemáticas. A título de exemplo: o direito ao meio ambiente equilibrado, discussões econômicas e sociológicas em relação ao capitalismo e, precipuamente, no presente estudo, o direito à dignidade humana do consumidor frente ao dano moral causado em decorrência de sua vulnerabilidade.

3. Aspectos gerais

Quando se busca compreender determinados assuntos da atualidade, boa parte das vezes, sua motivação está no contexto social e cultural de um povo, assim como na história em torno desse tema. Todos os costumes de uma sociedade são grandemente influenciados pelo seu contexto e sua evolução históricos. No que tange ao consumidor não é diferente. Como se verá adiante há diversos aspectos sócio cronológicos que definem a sociedade atual.

Se desejamos compreender nossa maneira de manifestar a vida, precisamos estar atentos ao modo como conseguimos os bens necessários à sobrevivência – alimentação, habitação, vestuário, etc. (...) vivemos no sistema capitalista. Será que os homens sempre viveram dessa maneira? Não! Claro que não. (AQUINO, FRANCO, LOPES, 1980, p.2)

Na Idade Antiga, apesar de o termo “consumidor” não ser utilizado, e talvez nem existir, a prática do comércio é um aspecto muito marcante na

constituição de alguns povos. Principalmente nas sociedades antigas do oriente médio (sumérios, acádios, assírios, persas, hebreus, cretenses, fenícios) o comércio de importação e exportação de produtos é algo muito evidente. A maior parte da riqueza desses povos se baseava no comércio. É necessário fazer destaque aos fenícios que era uma sociedade, precipuamente, de comerciantes. E, por suposto, se há comércio, há consumo.

Em contrapartida, as sociedades hidráulicas (que se desenvolveram nas margens de rios como Egito e Mesopotâmia) estocavam os excedentes agrícolas, mas para consumo próprio (ARRUDA, 2008). Entretanto, também comerciavam diversos outros produtos com os povos próximos. Nessa fase, é importante mencionar que “o homem produz objetos e ideias de acordo com suas necessidades de sobrevivência.” (AQUINO, FRANCO, LOPES, 1980, p.4).

Em relação a Idade Antiga, impende frisar que nessa época, por óbvio, não havia regulamento legal específico para a proteção do consumidor. Os regulamentos eram pautados em costumes que diferiam de sociedade para sociedade, muitas vezes envoltos por crenças religiosas.

A Idade Média, no sentido econômico e legal, não acarreta muitos comentários para o presente trabalho. A economia da Idade Média é predominante baixa, o que indica que o comércio não era tão evidente e popular quanto em outras épocas da história.

Em tal período, com a ocorrência da ruralização da sociedade, era comum a existência dos feudos, os quais eram pedaços de terra concedidos em troca de proteção e apoio militar. Não havia muito comércio em relação à compra e venda, já que a maior parte das operações era realizada por meio de troca. Evidentemente, também não havia dispositivos legais específicos que protegessem o consumidor.

A Idade Moderna, apesar da importância dos outros períodos históricos, é o grande marco no que diz respeito ao consumo. Quando se fala em modernidade, com certeza, um dos primeiros fatos históricos que se destacam à mente é a Revolução Industrial. Portanto, não é exagero quando José A. Arruda definiu que “A modernidade é representada pela sociedade industrial” (ARRUDA, 2008, p.9)

Com o advento da Revolução Industrial, os bens de consumo passaram a ser mais acessíveis a todos. Todavia, essa acessibilidade não se deu de modo similar para todas as camadas da sociedade. A desigualdade social continuou, o que mudou foi que o fato de ser parte da sociedade já não era definido pela origem familiar ou pela contribuição na produção, mas pelo consumo (TASCHNER, 2010).

No entanto, nesse período da história, o consumidor também começa a ganhar voz e se enxergar como consumidor. O termo que não era utilizado nas Idades Antiga e Média, agora é revelado pelos seus atos e suas buscas. A cultura de consumo, imposta pelo âmbito social, passou a ser vista como prejudicial por alguns. 

O movimento de defesa do consumidor apareceu como contrapartida da cultura do consumo, estando os interesses e problemas dos consumidores inicialmente emaranhados com questões de saúde pública e de concorrência desleal. Gestados nos anos finais do século XIX, os movimentos sociais focados na defesa do consumidor desenvolveram-se ao longo do século XX. Dependendo do país, surgiram por iniciativa do Estado (França), ou por iniciativa da sociedade civil (Inglaterra, Estados Unidos). Nos Estados Unidos, chegaram ao auge em meados dos anos 60 do século XX, sob a liderança de Ralph Nader. No rastro de uma forte onda de regulamentação da economia, regulamentou-se também a proteção do consumidor, com legislação, políticas públicas e agências para fazer o seu enforcement. As providências emergenciais e tópicas cederam lugar a um sistema de proteção ao consumidor. Na Europa, o apogeu foi no início dos anos 1970. (TASCHNER, 2010, p. 37)

De outra feita, recapitule-se a história: No que tange à Pré-História, relata-se que o homem só produzia e adquirira o necessário para a sua sobrevivência. Na Grécia Antiga, o Estoicismo pregava que a felicidade não se encontra nos objetos, cada um deveria aceitar sua própria condição e se desprender dos bens materiais.

Na Idade Média, a baixa economia era o reflexo de uma sociedade que não estava voltada ao consumo. Na Idade Moderna, o Homem em si mesmo passou a ser o centro dos estudos e pesquisas, havendo uma revolução dos meios de produção. A sociedade atual mantém o consumo como um de seus aspectos mais marcantes. Diante de tais fatos, surge indagação: o que tem transformado a mente do consumidor no decorrer das últimas décadas? Já que, conforme Livia Barbosa, 2006:

Os “consumidores” foram reduzidos a “sujeitos passivos” do capitalismo, do marketing e da propaganda, e seus corpos, a cabides de símbolos nos quais se debruçam pesquisadores ávidos de desvendá-los. E os espaços de consumo e compra, em particular os shopping centers, foram resumidos a palcos, nos quais transitam as múltiplas identidades do homem contemporâneo, expressas nos bens e serviços que portam e de que fazem uso. (BARBOSA, 2006, p.11)

Precipuamente desde a Revolução Industrial, os métodos de fabricação de bens e produtos, bem como da execução de serviços, se atualizam e se tornam cada vez mais eficientes. Os bens são produzidos em menos tempo e em maior quantidade. Concomitantemente, várias crises econômicas assolaram países de todo o mundo desde a Grande Depressão de 1929.

Dessa forma, com a baixa procura e o excedente de produção, surgem inúmeros estudos que buscam compreender os hábitos do consumidor e como o cérebro responde ao consumo. O neuromarketing é uma das principais áreas a estudar os mencionados temas.

Através do neuromarketing surge a expressão “lógica de consumo”, o qual estuda todos os anseios, desejos, e tudo aquilo que o consumidor sente em seu subconsciente é quem guia as suas deliberações em relação às compras, diariamente (LINDSTROM, 2016).

DUHIGG, 2012, repórter investigativo do New York Times, escreveu o famoso livro “O poder do Hábito”, dividido em três partes, nas quais o autor aborda como os hábitos podem ser criados e modificados individualmente, por empresas e pelo contexto social. Nessa obra, há um relato muito importante para o entendimento de como o consumidor é influenciado pelas técnicas de venda: a criação do Pepsodent (marca americana de creme dental, atualmente de propriedade da Unilever).

Até tal criação, era quase inexistente o hábito de se escovar os dentes. Após dezenas de anúncios publicitários fracassados dos concorrentes, a Pepsodent foi diferente, pois criou um anseio. Os consumidores preferiam a Pepsodent porque, quando não a usavam, ansiavam pela sensação de limpeza e frescor que suas substâncias provocavam (DUHIGG, 2012).

A partir desse exemplo, oriundo do estudo dos hábitos de consumidores, é possível se perguntar: qual o divisor de águas entre a inexistência de um hábito e a criação desse na rotina de bilhões de pessoas? A resposta é: A geração de um anseio no consumidor, por meio de uma campanha publicitária.

Pepsodent foi apenas um exemplo do livro O Poder do Hábito (DUHIGG, 2012), mas há outros métodos utilizados por empresas. Diversas maneiras simples como, colocar diversos produtos ao lado das filas do caixa, os fast foods com cores vibrantes como o vermelho e o amarelo que respectivamente aumentam a possibilidade de recordar da marca e a confiabilidade nessa.

Desse modo, essas campanhas publicitárias acabam gerando anseios nos consumidores, o que torna imprescindível adquirir o produto que é divulgado e causa grande impacto na estrutura social também. O neuromarketing não atinge apenas a camada alta da sociedade, mas também a camada inferior de pessoas que não possuem tanto poder aquisitivo. Todos esses fatores terminam por impulsionar, também, a problemática econômica do endividamento em massa.

Nos últimos anos, ocorre um fenômeno muito comum denominado “TrickleDown”, o qual significa gotejar. Os padrões de consumo criados em uma camada superior da sociedade acabam sendo adaptados, “gotejando”, para as camadas inferiores. Esses itens são utilizados, inicialmente, como mecanismos de distinção, mas logo que se tornam populares, são substituídos por outros anseios. Como, por exemplo, um modelo de roupa utilizado pela alta classe, feito com tecidos nobres, passa a ser fabricado na classe média com tecidos mais baratos, e assim que se torna muito popular, é substituído, aos poucos, por outro modelo, caracterizando um ciclo. (TASCHNER, 2010)

Levando em conta que esses exemplos são apenas pequenas parcelas em relação à quantidade de informações e tentativas de persuasão que o consumidor recebe todos os dias, quantos outros fatos assim existem? Quantas campanhas de publicidade estão sendo criadas e quantos consumidores estão sendo lesados neste momento? Inúmeros! E toda essa problemática em torno da cultura do consumo se realiza perpetuamente, de maneira cíclica:

O milagre da TV se realiza perpetuamente, sem deixar de ser milagre — graças à técnica, que esbate na consciência do consumidor o próprio princípio da realidade social, o longo processo social de produção de conduz ao consumo das imagens. (BAUDRILLARD, 1995, p. 22)

Diante de todo o exposto, não se pode negar que a sociedade de consumo atual é motivada pelo seu contexto histórico, bem como pela aplicação de todos os métodos que visam persuadi-la à compra. Por mais que existam diversas teorias que tenham por escopo definir o porquê de uma sociedade ser como é, a história em conjunto com aquilo que molda a mente de um povo, são algumas das maiores razões.

Para a análise da motivação e realidade do Dano moral da sociedade atual, é imprescindível que o estudo em comento se iniciasse dessa forma, abordando a trajetória do consumidor na história e algumas das técnicas de neuromarketing utilizadas atualmente, pois elas são responsáveis, em grande parte, pela constituição da sociedade de consumo.

4. A sociedade de consumo

Após o estudo histórico do consumidor nas Idades anteriores, a análise da sociedade de consumo busca identificar o consumidor atualmente. Como afirma Lívia Barbosa: “Certamente, esse movimento merece atenção e explicação. Afinal, consumir é uma das mais básicas atividades do ser humano — pode-se viver sem produzir, mas, não, sem consumir.”

Primeiramente, é mister que seja conceituado o termo “consumo”. Impende mencionar que o consumo não é apenas o ato de adquirir ou usar mercadorias, é um ato complexo que envolve sociedade e cultura, não somente o indivíduo isoladamente. Para este trabalho, de maneira similar ao artigo escrito por Gisela Taschner, o consumo, além dos bens materiais, abarca, também, o consumo de símbolos. Desse modo, tomando o conceito da referida autora:

O consumo é pensado aqui como o ato aquisitivo, a posse e o uso de bens e serviços, bem como seu significado para os atores sociais envolvidos. Não se trata apenas de um consumo material e imaterial. Trata-se também de um consumo de símbolos, portanto, um consumo cultural e social. A cultura do consumo, por sua vez, é tomada por nós como a presença generalizada em uma comunidade ou em toda a sociedade, de uma valoração positiva do consumo e de uma predisposição para consumir, particularmente certos itens - os quais variam no tempo e no espaço social. (TASCHNER, 2010, p. 48)

 O consumo não é pautado apenas nas necessidades humanas, mas também nas paixões e desejos do Homem, os quais são muito explorados pelo marketing e publicidade. Portanto, não se pretende, aqui, limitar o consumo aos bens materiais e ao sentido objetivo de consumir, quando, na verdade, esse é subjetivo e individual, determinado, ainda, pelo contexto social que vem formando a cultura do consumo. O Doutor João Anzanello Carrascoza, ao analisar a obra “Cultura do consumo: fundamentos e formas contemporâneas” escreveu que:

A cultura do consumo, então em seus primórdios, foi se tornando a forma hegemônica cultural do nosso tempo graças a dois poderosos alicerces: o capitalismo (dentro do qual o consumo nasce como uma estratégia para dar destino ao excedente da produção) e as paixões humanas (que consubstanciam uma economia pulsional). (CARRASCOZA, 2017, p. 218)

Em segundo lugar, o que é sociedade de consumo? A sociedade de consumo é aquela em há mais oferta que procura, em adição à vários métodos criados para convencer o homem a consumir. Em decorrência disso, o próprio Homem tende a buscar, de modo cíclico, a prática do consumo. Há algumas características que diferenciam a sociedade de consumo das demais formadas anteriormente. A principal é a relação do Homem com os objetos.

Na sociedade de consumo os objetos estão desconectados com qualquer função específica, estando fundamentados na lógica do próprio desejo, tendo uma significação inconsciente. A sociedade medieval se equilibrava na Igreja e a sociedade atual se equilibra no consumo (MAYER, 1995).

Impende mencionar que a fala anterior foi escrita para o prefácio para o livro Sociedade de Consumo de Jean Baudrillard, no qual o autor cita que no contexto social contemporâneo os objetos que são bens de consumo não significam mais produtos feitos de trabalho, mas sim uma forma de demonstrar poder (1995).

Outra característica marcante da sociedade atual é a efemeridade dos desejos de consumo e a descartabilidade dos bens. O bem que se deseja e se adquire hoje, amanhã é facilmente descartado ou inutilizado. Além disso, os bens são amplamente substituíveis, já que se atualizam com grande celeridade.

Na Antiguidade, os objetos e monumentos sobreviviam por várias gerações após a morte do homem. Na sociedade de consumo, de modo diverso, o homem quem vê os objetos nascerem e morrerem com enorme facilidade. “Vivemos o tempo dos objetos” (BAUDRILLARD, 1995).

Anteriormente, o homem vivia cercado de outros homens. Entretanto, no tempo atual, o homem vive cercado de objetos e bens. As relações sociais já não são mais definidas pelos laços estabelecidos com outros seres humanos, mas sim pelo conjunto de mensagens e objetos recebidos e manipulados. Desse modo, há a falta de distinção entre as coisas e as relações sociais.

Os objetos raramente são significados em si mesmos, na maioria das vezes, são encarados por um sentido coletivo de necessidade, analisado com outros objetos que, juntos, se significam. Além disso, os humanos, coletivamente, também atribuem significados a esse objeto, fazendo com que os desejos de consumo não sejam determinados apenas pelos desígnios subjetivos, mas pelas opiniões da maioria.

Em adição a isso, a sociedade atual é marcada por uma ordem de consumo, a qual manipula os indivíduos à aquisição de bens. Há também a manipulação social, consistente no fato de o indivíduo se sentir inserido em determinada sociedade, visto como um cidadão, (não no que tange aos direitos políticos), quando consome aquilo que seus semelhantes consomem.

É importante ressaltar que, no trabalho de Marshall, a cidadania é tratada como uma espécie de contraponto à estrutura de classes sociais. Se essas dividem a sociedade e ligam-se à desigualdade, aquela integra e equaliza seus membros. Nesse sentido, a cidadania está ligada também a uma ideia de pertencimento a uma comunidade. (TASCHNER, 2010, p. 48)

Outro aspecto visível da sociedade de consumo é o ciclo do anseio gerado no consumidor, o qual se inicia por um desejo e a busca pela satisfação, depois de satisfeito, surge a criação de um novo desejo. Esse anseio é pautado no ideal e na simbologia do objeto para o indivíduo e para o social. Assim como afirmado por Jean Baudrillard, a satisfação que os objetos proporcionam é o reflexo antecipado da grande satisfação.

O sociólogo Zygmun Bauman em seu livro “Vida para consumo” também anuncia que a sociedade de consumo continua a prosperar na medida em que garante que seus indivíduos continuem perpetuamente não satisfeitos com os bens adquiridos (2008). Além disso, verifica-se atualmente a manipulação da mente humana para o consumo, já abordadas no tópico acerca do neuromarketing.

As comunicações de massa (veículos que disseminam informações, como revistas, rádio, televisão) não são capazes de nos entregar a realidade, mas apenas uma vertigem da realidade. Os signos, resultado dessa vertigem, são o que proporcionam os fatores de segurança do consumo. No entanto, essa segurança fundada nos signos é um ato de negação ao real. (BAUDRILLARD, 1995)

Além disso, não são apenas as relações humanas que são afetadas. É manifesto o impacto do consumo sobre o meio ambiente, na sociedade atual. Fauna e flora são controladas pela Lei do valor de troca por meio da ação humana e não mais pelas leis naturais e ecológicas.

Jean Baudrillard define que o lugar do consumo é a vida cotidiana. A ligação entre as comunicações de massa e a quotidianidade da vida privada se dá pela tentativa de adequação da vida privada à interpretação que se tem do mundo, do todo. Dessa maneira, o consumidor compra o objeto para utilizá-lo em sua vida privada cotidiana, a partir do conceito que absorveu do contexto social.

Diante da presente explanação acerca do panorama do consumidor na história, da visão geral dos métodos de persuasão do consumidor e também do estudo sobre a sociedade de consumo, imprescindível se faz encerrar com a seguinte citação:

A relação do consumidor ao mundo real, à política, à história, à cultura, não é a do interesse, do investimento, da responsabilidade empunhada — também não é a da indiferença total, mas sim a da CURIOSIDADE. Segundo o mesmo esquema, pode afirmar-se que a dimensão do consumo, até aqui por nós definida, não é a do conhecimento do mundo, nem igualmente a da ignorância completa: é a do DESCONHECIMENTO. Curiosidade e desconhecimento designam um só e mesmo comportamento global a respeito do real, comportamento generalizado e sistematizado pela prática das comunicações de massa e, portanto, característico da nossa sociedade de consumo: trata-se da recusa do real, baseada na apreensão ávida e multiplicada dos seus signos. (BAUDRILLARD, 1995, p. 25)

Por conseguinte, conclui-se aqui que o que define o consumidor na referida sociedade, é o desconhecimento de seus direitos e também da forma com que é persuadido diariamente a adquirir bens e serviços. Como resultado visível de todos esses fatores, o instituto do Dano Moral tem sido cada vez mais pleiteado nos juízos e tribunais brasileiros

CAPÍTULO II - A RELAÇÃO DE CONSUMO

A responsabilidade civil disposta no Código de Defesa do Consumidor (CDC) é idiossincrática. Para compreendê-la se faz necessária a conceituação da relação de consumo, já que essa possui diversas peculiaridades frente à outras relações jurídicas do ordenamento brasileiro.

Mas não apenas isso. É preciso, ainda, que tal matéria seja contextualizada à luz da Constituição Federal de 1988, e o mais importante: que os princípios, características e direitos básicos de matéria consumerista sejam expostos e compreendidos, bem como a responsabilidade civil nessa vertente.

4.1. Conceito

Conforme preceitua Nathalia Stivalle Gomes, 2019, para que a relação jurídica seja de consumo, é obrigatória a existência dos seguintes elementos: subjetivo, objetivo e finalístico. O primeiro é caracterizado pelos sujeitos da relação: consumidor e fornecedor, conceituados, respectivamente pelos artigos 2º e 3º do CDC, os quais serão detalhados futuramente.

O segundo elemento é formado pelos objetos da relação jurídica: produto e serviço. Por último, o elemento finalístico está relacionado com o fato de o consumidor ser o individuo que adquire produtos ou contrata serviços como destinatário final. (GOMES, 2019).

4.2. O direito brasileiro

No Brasil, no que tange ao Direito do Consumidor, a principal ferramenta que instrui, orienta e delimita acerca dessa matéria é o Código de Defesa do Consumidor (CDC). No dia 11 de setembro de 1990, surge tal Código, com a Lei nº 8.078/90. A referida lei demonstra que o consumidor é uma parte vulnerável e exige que o princípio da boa-fé seja o fundamento das relações de consumo.

A defesa do consumidor também tem respaldo na Constituição Federal vigente, estando disposta como um Direito Fundamental (artigo 5º, XXXII), um

princípio da atividade econômica (artigo 170, inciso V) e, por fim, o artigo 48 do Ato de Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), determina a criação do CDC.

4.2.1. A Constituição Federal de 1988

É pacífico e visível que a relação de consumo é desigual. De um lado, tem-se o fornecedor com todo o poder de produção e informações sobre o produto e do outro, o consumidor, sujeito vulnerável. Desse modo, para proteger o consumidor, o legislador transformou o status de seu direito em fundamental. Além disso, a imperatividade e a intervenção estatal e todos os mecanismos de defesa do consumidor visam garantir a eficácia vertical entre fornecedor e consumidor, de modo a reequilibrar as partes na relação jurídica consumerista (ALMEIDA, 2020)

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;

Certos estão aqueles que consideram a Constituição Federal de 1988 como o centro irradiador e o marco de reconstrução de um direito privado brasileiro mais social e preocupado com os vulneráveis de nossa sociedade, um direito privado solidário. Em outras palavras, a Constituição seria a garantia (de existência e de proibição de retrocesso) e o limite (limite-guia e limite-função) de um direito privado construído sob seu sistema de valores e incluindo a defesa do consumidor como princípio geral (BENJAMIN, MARQUES, BESSA, 2017, p. 33-34.).

No que tange, à Defesa do consumidor como princípio da ordem econômica, a Constituição Federal de 1988 prevê que:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

V - defesa do consumidor;

No que tange a tal artigo, Claudia Lima preceitua que:

A opção da Constituição Federal de 1988 de tutela especial aos consumidores, considerados agentes econômicos mais vulneráveis no mercado globalizado, foi uma demonstração de como a ordem econômica de direção devia preparar o Brasil para a economia e a sociedade do século XXI. (BENJAMIN, MARQUES, BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor, 2017, p. 111.).

A seguinte decisão do STF também abarca tal princípio:

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DANOS MORAIS DECORRENTES DE ATRASO OCORRIDO EM VOO INTERNACIONAL. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. NÃO CONHECIMENTO. 1. O princípio da defesa do consumidor se aplica a todo o capítulo constitucional da atividade econômica. 2. Afastam-se as normas especiais do Código Brasileiro da Aeronáutica e da Convenção de Varsóvia quando implicarem retrocesso social ou vilipêndio aos direitos assegurados pelo Código de Defesa do Consumidor. 3. Não cabe discutir, na instância extraordinária, sobre a correta aplicação do Código de Defesa do Consumidor ou sobre a incidência, no caso concreto, de específicas normas de consumo veiculadas em legislação especial sobre o transporte aéreo internacional. Ofensa indireta à Constituição de República. 4. Recurso não conhecido (RE 351.750/RJ, Rel. p/ Acórdão Ministro Carlos Britto, 1a T., DJe 25/09/2009).

Por fim, na seara de tal princípio, (ALMEIDA, 2020, p 44) afirmou ainda, que: “O Direito do consumidor é a contrapartida da livre concorrência”. Por conseguinte, ao se tratar da livre concorrência, há que se ponderar sempre e levar em conta os direitos dos consumidores.

O  artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias dispõe que: “O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor”. Destarte, o legislador constituinte optou por codificar os dispositivos de defesa do consumidor e não elaborá-los em leis esparsas:

Primeiramente, dá coerência e homogeneidade a um determinado ramo do Direito, possibilitando sua autonomia. De outro, simplifica e clarifica o regramento legal da matéria, favorecendo, de uma maneira geral, os destinatários e os aplicadores da norma. (GRINOVER, BENJAMIN, FINK, FILOMENO, NERY JR. e DENARI, 2019, p. 6-7).

4.2.2. O Código de Defesa do Consumidor (CDC)

Em determinado momento da história, quando os consumidores começaram a ser conceituados como tais e as questões de direito do consumidor começaram a surgir no poder judiciário, ficou evidente que o direito civil não era capaz de tutelar tais lides. Isso porque, o diploma de direito do consumidor é matéria de ordem pública, enquanto o direito civil é pautado na autonomia da vontade, pacta sunt servanda, e na responsabilidade subjetiva. Enquanto o direito do consumidor é pautado nas normas de ordem pública e de interesse social, na intervenção estatal e na responsabilidade objetiva.

Se vícios e defeitos começaram a se tornar recorrentes no novo modelo de sociedade apresentado, cumpre destacar inicialmente que o Direito da época não estava “apto” a proteger a parte mais fraca da relação jurídica de consumo, pois, no Brasil, por exemplo, a legislação aplicável na ocasião era o Código Civil de 1916, que foi elaborado para disciplinar relações individualizadas, e não para tutelar aquelas oriundas da demanda coletiva, como ocorre nas relações consumeristas. (ALMEIDA, 2020, p 35).

Constatado, então, que o Direito da época não era suficiente para disciplinar as relações jurídicas de consumo, fez-se necessária a intervenção estatal para a elaboração e implementação de legislações específicas, políticas públicas e jurisdição especializada de defesa do consumidor em todo o mundo. Foi a interferência do: Estado‐Legislador, elaborando as leis de tutela do consumidor. Estado‐Administrador, implementando tais leis de forma direta ou indireta. Estado‐Juiz, dirimindo conflitos de interesses oriundos das relações jurídicas de consumo. A intervenção estatal mostrou-se fundamental para diminuir a desigualdade existente entre o todo-poderoso fornecedor e o vulnerável da relação, o consumidor. (ALMEIDA, 2020, pag. 35).

São características do CDC: Ser uma lei principiológica, a qual que busca o reequilíbrio nas relações de consumo (art. 4º); ter normas de ordem publica e interesse social e ser um microssistema multidisciplinar (GOMES, 2019).

O art. 1º a Lei 8.078/90 ressalta que o CDC é uma norma de ordem publica. Isso significa que as decisões sobre direito do consumidor não se limitam as partes do litigio, as partes não podem derrogar os direitos de consumidor e que o juiz pode reconhecer de oficio os direitos do consumidor (ALMEIDA, 2020).

Impende mencionar, antes de outras considerações, que a finalidade do Código em comento é a proteção do consumidor. Para definir quem é consumidor, o CDC adota a teoria finalista, considerando consumidor apenas a pessoa física ou jurídica que seja o destinatário final do produto ou serviço: “Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.”.

O caput conceitua o consumidor direto, todavia o parágrafo único do referido artigo, preocupado com a dimensão coletiva, traz ainda a definição de consumidor por equiparação: “Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.”.

É importante frisar que a jurisprudência também aceita como consumidor o indivíduo que não é destinatário final, caso haja a presença do elemento vulnerabilidade. A vulnerabilidade é, portanto, palavra-chave para definir o consumidor. Por isso é necessário observar princípio favor debilis (proteção ao mais fraco), (ALMEIDA, 2020).

No julgamento do Resp n. 716.877, a Terceira Turma do STJ, em 2007, reconheceu um caminhoneiro como consumidor, ainda que não fosse destinatário final. Em Agosto de 2010 a mesma turma reconheceu novamente uma costureira que não tinha a característica finalística como consumidora. Outros casos como de um freteiro e de um produtor rural também são exemplos de tal reconhecimento.[2]

O Ministro Ari Pargendler, afirmou em seu voto que a noção de destinatário final não é unívoca. A doutrina, bem como a jurisprudência tem ampliado o conceito de destinatário final para atender aos critérios de vulnerabilidade.

Conforme preceitua FILOMENO, 2020, no Curso Fundamental de Direito do Consumidor acerca da vulnerabilidade:

Parte o Código de Defesa do Consumidor da premissa de que o consumidor é vulnerável. Ou seja, diante do fornecedor, aquele que oferece produtos e serviços no mercado, ele é considerado a personagem menos informada, ao contrário do fornecedor, que detém todas as informações a res- peito de seu produto ou do serviço que presta. Além disso, tem pouco ou quase nenhum poder diante de um conflito que possa surgir entre eles. Por outro lado, é obrigado, em última análise, a submeter-se às práticas de mercado e, sobretudo, a cláusulas contratuais, na sua grande maioria constantes de contratos de adesão, não tendo qualquer oportunidade de influir na sua redação.

O conceito de fornecedor, por sua vez, encontra-se no art. 3º do referido Código:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

Nesse sentido, cumpre mencionar que as pessoas acima podem ser consideradas fornecedores pelo CDC, ainda que sejam informais, ou seja, não possuam registro empresarial, desde que haja habitualidade e profissionalidade na venda dos produtos ou prestação de serviços.

No tocante ao produto, o art. 3º,  §1° o Código protetivo afirma que: “Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. O serviço, por sua vez, está definido no art. 3º, §2° como:

Art. 3º, § 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

No caput do art. 4º do CDC, constam os objetivos da política Nacional das Relações de Consumo, e em seus incisos, os princípios gerais do CDC. Tais princípios buscam o reequilíbrio da relação jurídica e a igualdade material entre fornecedor e consumidor (ALMEIDA, 2020).

 Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: 

I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;

II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor:

a) por iniciativa direta;

b) por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas;

c) pela presença do Estado no mercado de consumo;

d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho.

III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;

 IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo;

V - incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo;

VI - coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores;

VII - racionalização e melhoria dos serviços públicos;

VIII - estudo constante das modificações do mercado de consumo.

No capítulo III do Código de Defesa do consumidor, em seus artigos 6º e 7º estão elencados alguns Direitos básicos:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;

II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;

III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;         

IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;

V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;

VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;

VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;

VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

IX - (Vetado);

X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.

Parágrafo único.  A informação de que trata o inciso III do caput deste artigo deve ser acessível à pessoa com deficiência, observado o disposto em regulamento.

 Art. 7° Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e eqüidade.

Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo.

O artigo 39 do Código em comento traz um rol -- que conforme ensina TARTUCE, 2020, é exemplificativo, -- de práticas abusivas contra o consumidor.

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;

II - recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes;

III - enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço;

IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;

V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;

VI - executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor, ressalvadas as decorrentes de práticas anteriores entre as partes;

VII - repassar informação depreciativa, referente a ato praticado pelo consumidor no exercício de seus direitos;

VIII - colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro);

IX - recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais:

X - elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços.

XI - Dispositivo incluído pela MPV nº 1.890-67, de 22.10.1999, transformado em inciso XIII, quando da conversão na Lei nº 9.870, de 23.11.1999;

XII - deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério.

XIII - aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou contratualmente estabelecido.

XIV - permitir o ingresso em estabelecimentos comerciais ou de serviços de um número maior de consumidores que o fixado pela autoridade administrativa como máximo

Parágrafo único. Os serviços prestados e os produtos remetidos ou entregues ao consumidor, na hipótese prevista no inciso III, equiparam-se às amostras grátis, inexistindo obrigação de pagamento.

Concernente à decadência e à prescrição no Código de Defesa do Consumidor, os artigos 26 e 27, respectivamente, estabelecem:

Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em:

I - trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não duráveis;

II - noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis.

§ 1° Inicia-se a contagem do prazo decadencial a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços.

§ 2° Obstam a decadência:

I - a reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor de produtos e serviços até a resposta negativa correspondente, que deve ser transmitida de forma inequívoca;

II - (Vetado).

III - a instauração de inquérito civil, até seu encerramento.

§ 3° Tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito.

Art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.

4.3. A responsabilidade civil no CDC

A responsabilidade Civil no CDC é em regra objetiva e solidária (artigos 12, 14, 18, 19 e 20), e subjetiva, como exceção, para os profissionais liberais, como advogados, dentistas e médicos, tendo em vista que os profissionais liberais, muitas vezes também estão em condições de suficiência e vulnerabilidade conforme art. 14, § 4º, CDC. (TARTUCE, NEVES, 2020).

TARTUCE, NEVES, 2020 fazem a diferenciação entre defeito (fato) e vício:

No vício – seja do produto ou do serviço –, o problema fica adstrito aos limites do bem de consumo, sem outras repercussões (prejuízos intrínsecos). Por outra via, no fato ou defeito – seja também do produto ou serviço –, há outras decorrências, como é o caso de outros danos materiais, de danos morais e dos danos estéticos (prejuízos extrínsecos). (TARTUCE, NEVES, 2020, p. 134)

Tal responsabilidade, no Direito Civil é divida em contratual e extracontratual. No entanto, quando se fala em responsabilidade no Direito do Consumidor, ela é divida entre responsabilidade pelo fato ou pelo vício (ALMEIDA, 2020).

O instituto da responsabilização, no CDC, pode ser pelo fato ou pelo vício. O fato também é chamado de defeito. Há quatro possibilidades de responsabilização civil no Código de defesa do consumidor: fato do produto (defeito), fato do serviço (defeito), vício do produto, vício do serviço.

Primeiramente, quanto ao fato do produto (ou defeito do produto), esse tem as mesmas modalidades que o fato -- ou defeito -- do serviço. No vício do produto, (também conhecido por ser um vício por inadequação), divide em vício de qualidade (art. 18) e quantidade (art. 19). Nos dois casos, o CDC elenca um rol de alternativas que o consumidor pode escolher, de acordo com sua livre escolha, para resolver o impasse:

Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.

I - a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso;

II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;

III - o abatimento proporcional do preço.

Art. 19. Os fornecedores respondem solidariamente pelos vícios de quantidade do produto sempre que, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, seu conteúdo líquido for inferior às indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou de mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:

I - o abatimento proporcional do preço;

II - complementação do peso ou medida;

III - a substituição do produto por outro da mesma espécie, marca ou modelo, sem os aludidos vícios;

IV - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos.

No presente vício, não há que se falar em danos morais ou estéticos ou materiais além do valor da causa, conforme a seguinte citação:

São quatro hipóteses de responsabilidade civil (...) Em três delas, há a solução da solidariedade, respondendo todos os envolvidos com o fornecimento ou a prestação. Em uma delas, a solidariedade não se faz presente. A diferenciação não é claramente difundida perante o público jurídico nacional. Tanto isso é verdade que muitos erros são cometidos na prática, sendo ouvidos com frequência nas salas de aula. A exceção à solidariedade atinge o fato do produto ou defeito, pelo que consta dos artigos 12 e 13 da Lei 8.078/1990. Isso porque ambos os comandos consagram a responsabilidade imediata do fabricante – ou de quem o substitua nesse papel – e a responsabilidade subsidiária do comerciante. É a redação do caput do primeiro comando legal. (TARTUCE, NEVES, 2020, pag. 136)

Em relação aos prazos, conforme ensinam TARTUCE, NEVES, 2020, são dois:

I)Prazo decadencial de trinta dias, tratando-se de fornecimento de produtos não duráveis, que são aqueles que desaparecem facilmente com o consumo (bens consumíveis faticamente, nos termos do art. 86, primeira parte, do CC/2002). Exemplos: gêneros alimentícios.

II)Prazo decadencial de noventa dias, tratando-se de fornecimento produtos duráveis, que são aqueles que não desaparecem facilmente com o consumo (bens inconsumíveis faticamente, nos termos do art. 86, primeira parte, do CC/2002). Exemplos: automóveis, imóveis, aparelhos celulares e eletrodomésticos. (TARTUCE, NEVES, 2020, p. 150)

Quando há vício do serviço, o consumidor pode exigir alternativamente segundo sua livre escolha alguma das opções do art. 20 do Código Protetivo:

Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:

I - a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível;

II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;

III - o abatimento proporcional do preço.

Há causas que são excludentes da responsabilidade civil do fornecedor, e estão elencadas nos seguintes incisos dos artigos 12, §3º e 14, §3º:

Art. 12, § 3° O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar:

I - que não colocou o produto no mercado;

II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;

III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Art. 14, § 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

O fato concorrente do consumidor também é atenuante da responsabilidade civil dos fornecedores e prestadores de serviço. Nesse caso, quando comprovado que o consumidor concorreu para o vício ou defeito, há uma diminuição do valor de reparação do dano.

CAPÍTULO III – O DANO MORAL

Na seara do presente instituto, para o estudo em comento, é mister que seja realizada a análise da aplicabilidade do dano moral pela jurisprudência pátria, bem como traçados possíveis motivos de reincidência na sociedade atual, e por fim que seja evidenciada a realidade no Brasil.

Para iniciar o estudo específico acerca do dano moral no Código de Defesa do consumidor, é fundamental conceituá-lo. Em consonância com o ensinamento de Humberto Theodoro, extrai-se a definição a seguir:

Em direito civil há um dever legal amplo de não lesar a que corresponde a obrigação de indenizar, configurável sempre que, de um comportamento contrário àquele dever de indenidade, surta algum prejuízo injusto para outrem, seja material, seja moral (CC, art. 186) (...) De maneira mais ampla, pode-se afirmar que são danos morais os ocorridos na esfera da subjetividade, ou no plano valorativo da pessoa na sociedade, alcançando os aspectos mais íntimos da personalidade humana (“o da intimidade e da consideração pessoal”), ou o da própria valoração da pessoa no meio em que vive e atua (“o da reputação ou da consideração social”). Derivam, portanto, de “práticas atentatórias à personalidade humana”. Traduzem-se em “um sentimento de pesar íntimo da pessoa ofendida” capaz de gerar “alterações psíquicas” ou “prejuízo à parte social ou afetiva do patrimônio moral” do ofendido. (JUNIOR, 2016, pag. 1)

4.4. Aplicabilidade no CDC

Há diversas peculiaridades acerca da aplicabilidade do dano moral no direito do consumidor. Para visualizá-las, a maneira mais eficaz é analisar as decisões dos tribunais brasileiros frente a tal instituto. Anteriormente a jurisprudência negava que o dano moral poderia ser cumulado com o dano material. Todavia, atualmente, é pacífica entre a doutrina e a jurisprudência aplicação dos dois institutos cumulativamente, conforme decisão do STJ:

Se há um dano material e outro moral; que podem existir autonomamente, se ambos dão margem a indenização, não

se percebe porque isso não deva ocorrer quando os dois se tenham como presentes, ainda que oriundos do mesmo fato. De determinado ato ilícito decorrendo lesão material, esta haverá de ser indenizada. Se apenas de natureza moral, igualmente devido o ressarcimento. Quando reunidas, a reparação há de referir-se a ambas. Não há porque cingir-se a uma delas, deixando a outra sem indenização. REsp 6.852-RS e REsp 4.235, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, in Lex-JSTJ, 29/190.

Súmula do Superior Tribunal de Justiça, sob n. 37, verbis: “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundo do mesmo fato”. O caráter punitivo da reparação do dano moral no âmbito das relações de consumo é defendido, doutrinariamente, como prevenção contra as grandes corporações que dominam a prestação dos serviços essenciais no mundo capitalista atual. As multas apenas simbólicas não intimidam os grandes fornecedores. É preciso introduzir no Brasil, a exemplo do que ocorre no primeiro mundo, a “indenização punitiva”, para defender a sociedade consumerista da desídia notada na prestação dos serviços monopolizados e daqueles prestados por megacorporações. (JUNIOR, 2020, p. 136)

Diferentemente de outros institutos do direito, o dano moral não é algo que pode ser provado de modo objetivo. Isso porque está pautado em uma lesão aos direitos da personalidade, sendo assim, subjetivo e individual.

É comum afirmar-se que o dano moral não se prova, porque a dor que o caracteriza passa-se no subjetivismo do ofendido. Assim, para sua configuração, bastaria comprovar a ocorrência capaz de ofender os sentimentos comuns das pessoas. Mas não é bem assim. O dano moral reparável ocorre quando se ofendem direitos da personalidade, como o nome, a dignidade, a privacidade, a intimidade e as relações de afetividade inerentes ao convívio humano. Dessa maneira, para ter-se como verificada essa espécie de lesão não se reclama a prova da dor, mas não se dispensa a concreta demonstração de que, efetivamente, se violou alguns dos direitos subjetivos referidos. (JUNIOR, 2020, p. 135)

4.5. Motivação

Concernente à motivação da reincidência da aplicação de dano moral na sociedade de consumo, quatro argumentos podem ser levantados para justificar a grande aplicação de tal instituto: os consumidores desconhecem muitos de seus direitos; o fornecedor busca uma pré-venda eficiente, no entanto, o suporte e assistência após a venda não são efetivos; o fenômeno da obsolescência programada; e, por fim, a falta de eficácia das políticas públicas concernentes ao consumo.

Primordialmente, o motivo que mais salta aos olhos é a falta de conhecimento dos direitos por parte dos consumidores. Inúmeros indivíduos não sabem, a título de exemplo, que é ilícita a cobrança de valor por perda da comanda, que os bancos devem oferecer serviços gratuitos, que cobranças indevidas devem ser devolvidas em dobro, que estabelecer consumação mínima é uma prática abusiva. E outras incontáveis situações.

Algumas pesquisas foram realizadas, recentemente, acerca do conhecimento dos direitos pelos consumidores.

A prova disso é um estudo desenvolvido pela Boa Vista SCPC sobre de hábitos de consumo, a qual mostrou que 67% dos brasileiros conhecem apenas um pouco ou não conhecem nada dos seus direitos enquanto consumidores. Ao mesmo tempo, 26% afirmam conhecer razoavelmente, enquanto apenas 7% conhecem muito bem.

A pesquisa foi feita entre janeiro e fevereiro de 2018 e, para obter os resultados, 800 pessoas foram entrevistadas em todo o Brasil. Outro dado importante descoberto no estudo é que 61% dos consumidores que costumam reclamar sempre ou na maior parte das vezes que têm problemas de consumo.

Quando questionados sobre a empresa escolhida para reclamar diante de algum problema – seja com um serviço ou com um produto -, 83% afirmaram fazê-lo diretamente com a própria empresa prestadora do serviço ou responsável pela venda do item.

Porém, se por um lado há quem faz questão de reivindicar os seus direitos enquanto consumidor, há aqueles que não fazem jus: entre os clientes que reclamam apenas algumas vezes ou que nunca reclamam, 46% não o fazem por considerar o processo desgastante e muito demorado. Em 2017, 60% tinham essa impressão. Já 27% alegam que reclamar não resolve e outros 27%, coincidentemente, porque o processo é muito trabalhoso ou não sabem onde reclamar. “Aos que alegam não saber onde reclamar, recomendamos procurar o órgão de defesa do consumidor, pois nele encontrarão todas as orientações necessárias para fazer o seu direito valer”, esclarece Pablo Nemirovsky, superintendente de Serviços ao Consumidor da Boa Vista SCPC. A Pesquisa da Boa Vista para o Dia do Consumidor 2018 utilizou a metodologia quantitativa e foi realizada por meio de consulta eletrônica de 30 de janeiro a 28 de fevereiro. O universo é representado por consumidores que buscaram informações e orientações no portal Consumidor Positivo e cadastrados na ferramenta Blue Box Boa Vista. A amostra é aleatória, representativa do universo de 806 respondentes. Para leitura geral dos resultados, deve-se considerar 90% de grau de confiança e margem de erro de 3%, para mais ou para menos. (https://www.consumidormoderno.com.br/2018/03/16/consumidores-conhecem-direitos/)

O estudo realizado em parceria entre o IDEC e a Market Analysis mostra que com relação ao nível de conhecimento sobre os seus direitos, a maioria, 55%, afirma conhecer razoavelmente sobre o que pode ou não reclamar. Já 45% dizem não possuir conhecimentos suficientes, apesar de saberem sobre a existência do Código de Defesa do Consumidor. Do total de entrevistados, um em cada 13 pessoas disseram ter informações profundas sobre seus direitos e deveres baseados na lei.[3]

Outro fator muito comum que motiva a reincidência do dano moral de consumo é o fato de o fornecedor realizar uma excelente pré-venda, com diversos canais de atendimento, todo o suporte necessário, no entanto não oferecer o suporte necessário na pós-venda. Isso se refere tanto
à demora em solucionar o problema, quanto à omissão em solucionar o impasse. Muitas das vezes os consumidores não procuram os fornecedores pela enorme burocracia em contatá-lo e porque já tem experiências próprias ou alheias de que o problema não é de fato solucionado.

Levantamento do Data Popular em parceria com o Idec revela que 92% da população conhece o Código de Defesa do Consumidor, que completa 25 anos em vigor; mas insatisfação com produtos e serviços são pouco relatadas em canais formais.

De acordo com a pesquisa, realizada de 18 de fevereiro a 1º de março com 800 pessoas de todo o país, o número de brasileiros que dizem conhecer ao menos alguns de seus direitos de consumidor e também o CDC é bastante alto.

No total, 92% dos entrevistados afirmam conhecer o Código e 35% dizem já tê-lo consultado. Em relação ao nível de informação sobre o assunto, 96% dizem conhecer os seus direitos e 4% não conhecem nada. “Os níveis gerais de conhecimento dos direitos de consumidor, do próprio Código e mesmo de consulta a ele são elevados e parecem ter apresentado um crescimento”, afirma Carlos Thadeu de Oliveira, gerente técnico do Idec. Em pesquisa semelhante publicada pelo Idec em novembro de 2012, o percentual de pessoas que conheciam seus direitos era um pouco menor: 92%.

O levantamento atual mostra que os setores que causam mais dor de cabeça ao consumidor são velhos conhecidos: telecomunicações disparada à frente (97% relatam já ter tido problemas com serviços do setor), seguida de saúde pública (91%), transportes (89%), bancos (87%) e os serviços de água, luz, educação pública e planos de saúde (85%).

O levantamento também mapeou como os consumidores reclamam, e a constatação é que o brasileiro se queixa mais a amigos e em redes sociais do que em órgãos de defesa do consumidor. Esse comportamento é bastante comum em problemas com telecomunicações e com serviços públicos.

As queixas sobre serviços públicos são mais frequentes, mas pouco dirigidas a canais formais: preferem reclamar a amigos e parentes 38% dos que têm problemas com serviços de saúde pública, 37% dos que enfrentam contratempos na educação pública e 25% dos insatisfeitos com transporte público. As redes sociais também acolhem muitas reclamações sobre esses serviços.

As razões de não reclamar são diferentes para serviços públicos e serviços privados: a impressão de que não vai “dar em nada” é predominante para os que deixam de reclamar de serviços de saúde pública, educação pública e transporte; já para telecomunicações, bancos e saúde particular, o desestímulo é porque dá muito trabalho, é demorado ou desgastante.

Não saber onde ou como reclamar também desestimula os consumidores que têm problemas mas não se queixam deles. Problemas com companhias aéreas, educação pública, comércio eletrônico e saúde pública são os que mais aparecem nessa categoria.[4]

Em terceiro, tem-se o fenômeno da obsolescência programada, a qual tem como objetivo: “instigar no comprador o desejo de possuir algo um pouco mais novo, um pouco melhor e um pouco mais rápido que o necessário” (STEVENS, LEONARD, 2011, p. 174).

Tal fator estimula o consumismo, bem como o superendividamento, além de ter como estratégia a diminuição da qualidade dos produtos para durarem menos e os consumidores necessitarem adquirir novos produtos em menos tempo. Desse modo, é muito comum que os consumidores levem seus produtos para a assistência técnica com frequência, o que muitas vezes causa o dano moral existencial (perda no tempo útil).

Novas necessidades exigem novas mercadorias, que por sua vez exigem novas necessidades e desejos; o advento do consumismo augura uma era de ‘obsolescência embutida’ dos bens oferecidos no mercado e assinala um aumento espetacular na indústria da remoção do lixo. (BAUMAN, 2008, p. 45)

Por fim, os artigos 4º e 5º do CDC trazem em seu bojo uma série de princípios que norteiam a política nacional do consumo. Todavia, ao comparar o texto da lei com a realidade, é perceptível uma grande discrepância. As políticas públicas não são efetivas nem eficazes e por isso o consumidor é lesado e necessita recorrer ao instituto do dano moral, muitas vezes cumulado com o dano material.

Não se pode exigir que o mercado tenha uma visão social, pois a sua visão é preponderantemente de vantagem individual própria (lucro). Sem este anima não há mercado. Porém, não é a soma das vontades individuais que forma a vontade coletiva. São necessários instrumentos que resguardem e promovam uma atitude social. E o direito econômico deve, como uma norma social, que é a norma jurídica, garantir tais interesses. A natureza pública das suas normas e os poderes privados a que se dirigem formam os dois polos do direito econômico. (DERANI, 1997. p. 64)

4.6. Realidade

Conforme já relatado na introdução, O  Relatório Justiça em Números, o qual indica os temas mais demandados nos  tribunais, registrou, no ano de 2017, o tema “Direito do  Consumidor/Responsabilidade do fornecedor/Indenização por dano moral” como o  assunto mais recorrente nos juizados especiais (1.234.983 processos) e nas turmas  recursais (144.754 processos).[5]

Cumpre ressaltar que o dano moral não é aplicado em todos os casos que é solicitado, ou em qualquer situação da vida cotidiana. Pelo contrário, o poder judiciário é bastante sensato e imparcial ao negar o dano moral em algumas situações em que não é cabido.

A reparação não é devida a quaisquer carpideiras. Não basta fingir dor, alegar qualquer espécie de mágoa; há gradações e motivos a provar e que os tribunais possam tomar a sério. STJ, 4ª T., REsp. 1.268.743/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, ac. 04.02.2014, DJe 07.04.2014.

Nesse sentido, são as seguintes decisões:

Ementa: Recurso especial. Responsabilidade civil. Aquisição de refrigerante contendo inseto. Dano moral. Ausência. A simples aquisição de refrigerante contendo inseto em seu interior, sem que seu conteúdo tenha sido ingerido ou, ao menos, que a embalagem tenha sido aberta, não é fato capaz de, por si só, de provocar dano moral. 2. “O mero dissabor não pode ser alçado ao patamar do dano moral, mas somente aquela agressão que exacerba a naturalidade dos fatos da vida, causando fundadas aflições ou angústias no espírito de quem ela se dirige” (AgRg REsp nº 403.919/RO, Quarta Turma, Relator o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 23/6/03). Recurso especial conhecido e provido. STJ – Recurso Especial n. 747.396/DF (DJe 22.03.2010) (2005/0073360-7) Relator: Ministro Fernando Gonçalves.

Mero descumprimento contratual não dá ensejo à reparação de dano moral, salvo quando se demonstrar, de forma inequívoca, que o atraso no pagamento da cobertura causou abalo psicológico considerável no segurado. TJ-RGS, 3º Grupo de Câm., Emb. Inf. 70004091278, Rel. Des. Marco Aurélio dos Santos Caminha, ac. 06.09.2002, RJTJRGS, n. 224, p. 145.

Não convence a defesa de que o recall teria o condão de causar dano moral à compradora de veículo, pois essa prática é, sim, favorável ao consumidor, não podendo ser aceita como instrumento de oportunismo a alimentar infundados pleitos indenizatórios. STJ, 4ª T., AgRg no Ag 675.453/PR, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, ac. 14.02.2006, DJU 13.03.2006, p. 327.

Descabe indenização por danos morais, visto que a alegada frustração causada aos compradores, que adquiram os sobrados para neles habitar, decorrentes de incômodos causados para torná-los habitáveis, não se constitui em motivo para obter aquela indenização”.TJPR, 7ª CC, AC 164.438-0, Rel. Des. Accácio Cambi, ac. 30.11.2004, RDCPC, 34, p. 85, mar.-abr. 2005.

Na caracterização do dano moral se exige a excepcionalidade, uma intensidade de sofrimento que não seja aquela própria dos aborrecimentos corriqueiros de uma vida normal. TRF, 4ª Reg., Ap. 2000.70.00.031492-6/PR, Rel. Des. Edgard Lippmann Júnior, ac. 01.12.2004, DJ-2, 245, de 22.12.2004, p. 173. Na verdade, o dano moral não pode ser banalizado, “o que se dá quando confundido com mero percalço, dissabor ou contratempo a que estão sujeitas as pessoas em sua vida comum” (STJ, 4ª T., REsp. 283.860/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, ac. 12.11.2002, DJU 16.12.2002, p. 340).

O débito levado a efeito em conta corrente, sem autorização do respectivo titular, para o pagamento de conta de luz, não induz, por si só, o reconhecimento de dano moral, a despeito do aborrecimento que isso possa ter provocado; o dano moral apenas se caracterizaria se o lançamento do débito tivesse consequências externas, v.g., devolução de cheques por falta de provisão de fundos ou inscrição do nome do correntista em cadastro de proteção ao crédito. STJ, 3ª T., REsp. 409.917/MG, Rel. Min. Ari Pargendler, ac. 30.04.2002, DJU 19.08.2002, p. 162, RSTJ 163/316.

1. O reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor nas relações de consumo deve sempre almejar o desejável equilíbrio da relação estabelecida entre o consumidor e o fornecedor. A proteção da boa-fé nas relações de consumo não equivale a favorecer indiscriminadamente o consumidor, em detrimento de direitos igualmente outorgados ao fornecedor. 2. A prática da conferência indistinta de mercadorias pelos estabelecimentos comerciais, após a consumação da venda, é em princípio lícito e tem como base o exercício do direito de vigilância e proteção ao patrimônio, razão pela qual não constitui, por si só, prática abusiva. Se a revista dos bens adquiridos é realizada em observância aos limites da urbanidade e civilidade, constitui mero desconforto, a que atualmente a grande maioria dos consumidores se submete, em nome da segurança. STJ, 3ª T., REsp. 1.120.113/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, ac. 15.02.2011, DJe 10.10.2011.

Consumidor e Processual Civil. Recurso Especial. Ação de compensação por danos morais. Automóvel com necessidade de conserto. Legitimidade ativa. Ausência. Dano moral. Não configurado. – Dano moral: agressão ou atentado aos direitos de personalidade. Necessidade de reavaliação da sensibilidade ético-social comum na configuração do dano moral. Inadimplemento contratual ou vício do produto não causa, por si, danos morais. – Na hipótese dos autos, não restou configurado o dano moral ocasionado pela necessidade de reparos à solda da coluna de automóvel. Além disso, verificou-se que usuário de automóvel adquirido por pessoa jurídica não possui legitimidade ativa para a propositura de ação. STJ, 3ª T., REsp. 1.634.824/SE, Rel. Min. Nancy Andrighi, ac. 06.12.2016, DJe 15.12.2016.

Por conseguinte, o vultoso número de ações em que é concedido o dano moral não é justificado por um desgoverno do poder judiciário, senão por se tratar de casos nos quais realmente foram feridos direitos da personalidade. Corrobora com isso o ensinamento de Humberto Theodoro Junior, 2020 de que a indenização não deve ter sua aplicação banalizada:

O perigo reside na imposição banalizada da indenização punitiva, sem autorização da lei e, portanto, sem parâmetro legal algum. Desatendida a proporção entre a gravidade da infração civil e a capacidade econômica do infrator, por exemplo, a desmesurada punição, a título de proteger a sociedade, transformar-se-ia em medida ruinosa para o pequeno e médio fornecedor. Se as incorporações suportam as sanções elevadas, sem se arruinarem, os empresários comuns não têm, em regra, como sofrê-las sem a perspectiva do abalo do equilíbrio econômico de seu negócio. (humberto theodoro, pag. 136, consumidor)

Há um tema relativo ao dano moral que tem sido muito estudado: dano existencial. Essa modalidade de dano está intrinsicamente ligada à perda do tempo útil. Há várias situações em que são cabíveis, todavia, quando se trata de um mero dissabor do cotidiano, não é aplicável:

Então, a perda injusta e intolerável do tempo útil do consumidor provocada por desídia, despreparo, desatenção ou má-fé (abuso de direito) do fornecedor de produtos ou serviços deve ser entendida como dano temporal (modalidade de dano moral) e a conduta que o provoca classificada como ato ilícito. Cumpre reiterar que o ato ilícito deve ser colmatado pela usurpação do tempo livre, enquanto violação a direito da personalidade, pelo afastamento do dever de segurança que deve permear as relações de consumo, pela inobservância da boa-fé objetiva e seus deveres anexos, pelo abuso da função social do contrato (seja na fase pré-contratual, contratual ou pós-contratual) e, em último grau, pelo desrespeito ao princípio da dignidade da pessoa humana. É de se convir que o tempo configura bem jurídico valioso, reconhecido e protegido pelo ordenamento jurídico, razão pela qual, “a conduta que irrazoavelmente o viole produzirá uma nova espécie de dano existencial, qual seja, dano temporal”, justificando a indenização. Esse tempo perdido, destarte, quando viole um “padrão de razoabilidade suficientemente assentado na sociedade”, não pode ser enquadrado na noção de mero aborrecimento ou dissabor. Mas, os gastos inevitáveis de tempo – tais como o enfrentamento de filas de bancos, a espera em consultórios médicos e outros –, não devem ser considerados dano temporal. Embora indesejável, esse tempo desperdiçado faz parte de nosso cotidiano, não sendo hábil a justificar uma indenização. (humberto theodoro, pag. 138, consumidor)

A seguir, algumas decisões do STJ em relação a perda do tempo útil:

A postergação da viagem superior a quatro horas constitui falha no serviço de transporte aéreo contratado e gera o direito à devida assistência material e informacional ao consumidor lesado, independentemente da causa originária do atraso. 2. O dano moral decorrente de atraso de voo prescinde de prova e a responsabilidade de seu causador opera-se in re ipsa em virtude do desconforto, da aflição e dos transtornos suportados pelo passageiro. STJ, 3ª T., EDcl. no REsp. 1.280.372/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, ac. 19.03.2015, DJe 31.03.2015.

O Código Brasileiro de Aeronáutica não se limita a regulamentar apenas o transporte aéreo regular de passageiros, realizado por quem detém a respectiva concessão, mas todo serviço de exploração de aeronave, operado por pessoa física ou jurídica, proprietária ou não, com ou sem fins lucrativos, de forma que seu art. 317, II, não foi revogado e será plenamente aplicado, desde que a relação jurídica não esteja regida pelo CDC, cuja força normativa é extraída diretamente da CF (5º, XXXII). 2. Demonstrada a existência de relação de consumo entre o transportador e aqueles que sofreram o resultado do evento danoso (consumidores por equiparação), configurado está o fato do serviço, pelo qual responde o fornecedor, à luz do art. 14 do CDC, incidindo, pois, na hipótese, o prazo prescricional quinquenal previsto no seu art. 27. STJ, 3ª T., REsp. 1.202.013/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, ac. 18.06.2013, DJe 27.06.2013.

Dano moral: desbordam da esfera do mero dissabor e do simples inadimplemento contratual as circunstâncias de submissão de pessoa cadeirante a espera de 3h (três horas) com vistas ao seu embarque em veículo coletivo adaptado, e, nesse interregno, a sua sujeição a tratamento vexatório, a constrangimento público, com a ocorrência de chacotas, piadas de mau gosto e até mesmo violação a sua integridade física, com empurrões e sacudidas na sua cabeça, por prepostos da concessionária ré. Quantum indenizatório majorado para R$ 20.000,00 (vinte mil reais), com acréscimo de juros de mora, de 1% ao mês, desde a citação, porque se trata de hipótese de responsabilidade civil contratual, e correção monetária, pelo IGP-M, desde esta sessão de julgamento, conforme a Súmula n.º 362/STJ. Preliminar de nulidade da sentença rejeitada. Apelo do autor provido. Apelo do Município de Rio Grande parcialmente provido. Apelo da Viação Noivas do Mar Ltda. Desprovido. TJRGS, 12ª Câm. Cível, Rel. Des. Umberto Guaspari Sudbrack, ac. 27.08.2015, DJ 01.09.2015.

Ação de indenização por danos morais – Vício do produto –Máquina de lavar – Aquisição em decorrência de a consumidora ser portadora de 04 (quatro) hérnias discais extrusas e, por orientação médica, foi privada de realizar esforços físicos – Inúmeras tentativas de resolução do problema que restaram infrutíferas – Tentativa de resolução por intermédio do processo administrativo junto ao Procon, onde avençou-se acordo que não foi cumprido pelo fornecedor – Nítida ocorrência do venire contra factum proprium – Fixação de cláusula penal – Dano material que não se confunde com o dano moral – Tempo demasiado sem o uso do referido produto – Desídia e falta de respeito para com o consumidor – Tempo perdido do consumidor para tentativa de solução do infortúnio, que acarreta dano indenizável- Inteligência da tese do Desvio Produtivo do Consumidor – Danos morais configurados afronta à dignidade da pessoa humana – Caso dos autos que não se confunde com um “mero aborrecimento” do cotidiano. TJSP, 5ª Câm. de Direito Privado, Ap. 0007852-15.2010.8.26.0038, Rel. Des. Fábio Podestá, ac. 13.11.2013, Revista de Direito do Consumidor, n. 93, 2014, p. 399.

Sky – Oferta publicitária de canais abertos – Indisponibilidade de canal ofertado – Publicidade enganosa – Fornecedor que veicula propaganda com promessa de quarenta e três canais, vinte e nove abertos, inclusive constando o logotipo referente ao sinal reclamado – Responsabilidade pela veracidade da informação nos termos do art. 38 do CDC – Ausente informação adequada e clara acerca da indisponibilidade em certas localidades, sem qualquer destaque para a restrição ao cabo da propaganda, de difícil visibilidade e compreensão – Violação da cláusula geral de boa-fé – É enganosa a informação parcial ou totalmente falsa, inclusive por omissão – Obrigação de devolução de valores pagos – Dano moral caracterizado pela privação do bem-estar, caracterizado o ludíbrio em relação aos consumidores, os quais tiveram restrição ao direito de entretenimento, informação e lazer, sem solução para a questão – Indenização arbitrada com moderação com finalidade de reparação e desestímulo – Recurso não provido. TJSP, 35ª Câm. de Direito Privado, Ap. 0005743-61.2012.8.26.0360, Rel. Des. José Malerbi, ac. 26.05.2014, Revista de Direito do Consumidor, n. 95, 2014, p. 429.

A jurisprudência do STJ se posiciona firme no sentido que a revisão das cláusulas contratuais pelo Poder Judiciário é permitida, mormente diante dos princípios da boa-fé objetiva, da função social dos contratos e do dirigismo contratual, devendo ser mitigada a força exorbitante que se atribuía ao princípio do pacta sunt servanda. (AgRg no Ag 1.383.974/SC, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, 4a T., DJe 10/02/2012).

Dessa feita, com todos os dados acima coletados da jurisprudência pátria e estatísticas de instituições como o IDEC (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), verifica-se que, a problemática do dano moral na sociedade de consumo é muito mais séria e importante do que se parece em primeiro momento.

Acerca de tal assunto cabem diversas discussões, não só jurídicas, mas também na vertente social. Todos os danos causados pelo fornecedor, seja ele material, ou, principalmente, moral, devem ser encarados com mais atenção por juristas, acadêmicos e pela sociedade, já que o impacto demandado tem sido tão grande nos tribunais.

5. CONCLUSÃO

Na presente monografia, foi analisado o instituto do dano moral na seara do direito do consumidor. Em tal estudo, buscou-se primeiramente descrever identificar a figura do consumidor na história, desde a idade antiga até os tempos atuais, culminando na formação da sociedade de consumo.

Em seguida, a sociedade de consumo foi conceituada, e suas características foram descritas, conforme a visão de sociólogos e demais estudiosos das ciências sociais.

Posteriormente, partindo para o âmbito jurídico propriamente dito, foi dissertado acerca da Constituição Federal e principalmente o Código de Defesa do Consumidor. Tal dissertação pautou-se nos principais conceitos, definições, características e princípios do direito brasileiro, no que tange ao consumidor. Por fim, encerrou-se o capítulo 2, acerca do direito, tratando-se da responsabilidade Civil do fornecedor em todos os casos abarcados pelo Código protetivo.

Por fim, após identificar o consumidor na história, definir a sociedade de consumo e estudar o direito que envolve as relações de consumo, o último capítulo, foi designado para dissertar acerca do dano moral. A pesquisa em comento é justificada pela importância da aplicação do dano moral na atualidade. O direito e a cultura de uma sociedade estão intrinsecamente ligados. Ao citar dados do Relatório Justiça em Números sobre a quantidade vultosa de ações consumeristas solicitando danos morais, evidencia-se a problemática moderna das relações de consumo, a qual frequentemente, resulta na violação dos direitos ao consumidor, causando-lhe danos.

Em vista de todos os motivos acima citados, torna-se evidente a necessidade de estudar e discutir a questão do dano moral nas relações de consumo atuais, entendendo em que situações é essencial a sua aplicação e qual é a possível motivação de sua reincidência. Por conseguinte, o tema é de grande relevância para o meio acadêmico, para a sociedade e também para o crescimento profissional e pessoal como consumidor.

Concluiu-se com o referido estudo que os principais motivos da grande reincidência de aplicação de dano moral são o fato de que os consumidores desconhecem muitos de seus direitos; o fornecedor busca uma pré-venda eficiente, no entanto, o suporte e assistência após a venda não são efetivos; o fenômeno da obsolescência programada; e, por fim, a falta de eficácia das políticas públicas concernentes ao consumo.

Logrou-se tratar acerca da problematização do presente tema, respondendo-se os seguintes questionamentos no decorrer da monografia: quem é o consumidor na história e como ele é influenciado, o que é a responsabilidade civil decorrente da relação de consumo e qual a motivação do dano moral na sociedade de consumo. Ademais, todos os objetivos definidos anteriormente foram alcançados.

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[1][1] Disponível em: https://www10.trf2.jus.br/portal/cnj-justica-em-numeros-indica-temas-mais-demandados-nos-tribunais/. Acesso em: 21 de ago. 2020.

[2] Disponível em: STJ, Superior Tribunal de Justiça. STJ aplica, caso a caso, CDC em relações de consumo intermediário. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/noticias/2383770/stj-aplica-caso-a-caso-cdc-em-relacoes-de-consumo-intermediario#:~:text=O%20recurso%20foi%20atendido.,em%20condi%C3%A7%C3%B5es%20de%20vulnerabilidade%2C%20disse. Acesso em: 15 de nov. 2020.

[3] Disponível em: https://www.mundodomarketing.com.br/ultimas-noticias/26024/consumidor-conhece-seus-direitos-mas-nao-reclama-na-justica.html. Acesso em: 01/12/2020.

[4] Disponível em: https://idec.org.br/em-acao/em-foco/brasileiros-conhecem-cdc-e-seus-direitos-de-consumidor-mas-no-reclamam-de-forma-efetiva-mostra-pesquisa. Acesso em: 01/12/2020.

[5] Disponível em: https://www10.trf2.jus.br/portal/cnj-justica-em-numeros-indica-temas-mais-demandados-nos-tribunais/. Acesso em: 21 de ago. 2020.


Publicado por: Natália Maria de Sousa Lôbo

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Monografias. O Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor. Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: http://www.brasilescola.com.

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