Responsabilidade Tributária dos Sócios Administradores de Sociedades Limitadas

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1. RESUMO

O presente artigo tem como objetivo apresentar as discussões sobre a forma de aplicação da responsabilidade tributária aos sócios administradores de sociedades limitadas, especialmente sobre as disposições do art. 134, VII e 135, III do CTN. Ao final, sustenta-se as teses de inaplicabilidade do art. 134, VII as sociedades limitadas nos casos de dissolução regular e de responsabilidade solidária entre contribuinte (pessoa jurídica) e responsável (sócio-gerente) quando não há dolo especifico do administrador em lesar a própria empresa. Em decorrência da crise econômica que se agravou com a pandemia de Covid-19 no Brasil, muitas empresas estão com dificuldades de adimplir seus débitos tributários, o que acaba resultando em um aumento nas tentativas do fisco de redirecionar as execuções fiscais aos sócios dessas pessoas jurídicas. A metodologia empregada para produção desse trabalho consiste na utilização de métodos dedutivos, hermenêuticos e bibliográficos, através da leitura de legislações, jurisprudências e doutrinas, com os quais busca-se analisar as circunstâncias que permitem a responsabilização dos sócios administradores de sociedades limitadas.

Palavras chaves: Responsabilidade Tributária. Sociedade Limitada. Solidariedade. Dissolução.

ABSTRACT

The purpose of this article is to present the discussions on the form of application of tax liability to the managing partners of limited liability companies, especially on the provisions of art. 134, VII and 135, III of the CTN. In the end, the theses of inapplicability of art. 134, VII limited companies in cases of regular dissolution and joint and several liability between the taxpayer (legal entity) and the person in charge (managing partner) when there is no specific intent of the administrator to harm the company itself. As a result of the economic crisis that was aggravated by a Covid-19 pandemic in Brazil, many companies are struggling to meet their tax debts, which ends up causing an increase in the tax authorities to redirect tax foreclosures to corporate partners. The methodology used to produce this work consists of using deductive, hermeneutic and bibliographic methods, through the reading of laws, jurisprudence and doctrines, with which we seek to analyze the circumstances that allow the liability of the managing partners of limited companies.

Keys: Tax Liability. Private Limited Company. Solidarity. Dissolution.

2. INTRODUÇÃO

O presente trabalho busca estudar os limites e as peculiaridades da responsabilidade tributária dos sócios administradores de sociedades limitadas constante nos arts. 134, VII e 135, III, ambos do CTN, apresentando as controvérsias jurisprudenciais e doutrinarias que envolvem o assunto.

A metodologia de pesquisa e desenvolvimento empregada neste trabalho compõe-se pela leitura da legislação tributária, civil e comercial de forma sistematizada, bem como de jurisprudências e doutrinas, analisando-se as peculiaridades dessas diferentes teses jurídicas sobre o tema e, ao final, apresentar uma conclusão sobre a forma de aplicação da responsabilidade tributária aos sócios administradores a depender da análise do dolo do agente.

Para isso, foram expostos alguns institutos fundamentais para auxiliar na compreensão e reflexão sobre o tema proposto. Inicia-se com uma análise sobre conceito e organização do Sistema Tributário.

Posteriormente, passa-se a examinar o que vem a ser um tributo, apresentado seus conceitos legais e doutrinários, suas características essenciais e a classificação de suas espécies. Após conhecermos o que é um tributo, adentramos no capítulo sobre a obrigação tributária, no qual estuda-se o conceito de obrigação tributária e seus elementos, objetivos e subjetivos, necessários para o nascimento da obrigação de pagar determinado tributo.

No capítulo seguinte, explora-se os aspectos relevantes da responsabilidade tributária em nosso ordenamento jurídico, as formas em que contribuinte e responsável poderão responder por determinada obrigação tributária e como figurarão o polo passivo dessa relação.

Por fim, chega-se ao capítulo principal do presente trabalho, no qual analisa-se as possibilidades de responsabilização dos sócios por dívidas contraídas pela sociedade sob a ótica das leis societárias, as controvérsias acerca da aplicabilidade ou não do art. 134, VII, do CTN às sociedades limitadas nos casos de dissolução regular, os limites e as características que permitem a responsabilização do sócio-gerente por atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto, bem como as discussões doutrinarias e jurisprudenciais sobre o tipo de responsabilidade prevista no art. 135, III, do CTN.

3. SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL

O presente capítulo apresentará o conceito e organização de Sistema Tributário Nacional, pois compreender este sistema é essencial para posteriormente aprofundarmos nos institutos da responsabilidade tributária.

3.1. CONCEITO E ORGANIZAÇÃO

Primeiramente é necessário entender o que significa sistema, o termo, embora abrangente, pode ser definido como um conjunto de elementos organizados que buscam a produção de um resultado especifico.

De acordo com o Dicionário de Língua Portuguesa, a palavra sistema significa a “reunião dos elementos que, concretos ou abstratos, se interligam de modo a formar um todo organizado.”

Destarte, podemos considerar que sistema tributário é o conjunto de normas – constitucionais e infraconstitucionais – que regulamentam as atividades atinentes ao tributo, desde sua instituição, fiscalização, cobrança e arrecadação.

Nesse mesmo sentido, Júlio Anderson Alves Bueno (2014, p. 61), conceitua o sistema tributário como “o conjunto de normas e princípios que regulamentam a instituição, cobrança, fiscalização dos tributos existentes e que possam a vir a existir no País, bem como a limitação contra esses tributos.”

O sistema tributário nacional pode ser dividido em três níveis normativos, cada qual cumpre sua função e juntos formam esse todo organizado, esses níveis são a Constituição Federal, a lei complementar e a lei ordinária.

A Carta Magna é a principal fonte do Direito Tributário, o Sistema Tributário Nacional está previsto em seu título VI, capitulo I, que se inicia no art. 145 e se estende até o art. 156.

Nesse capitulo está previsto o poder de tributar, as regras-matrizes de incidência, a classificação dos tributos, a repartição das competências tributárias e também a limitação desse poder de tributar, alguns desses institutos serão tratados em tópicos específicos adiante.

O poder de tributar refere-se a uma das formas de manifestação da soberania estatal em face da sociedade, isto é, o Estado poderá exigir dos cidadãos, por meio da instituição de tributos, uma fração do seu patrimônio particular – chamada de receita derivada –, a fim de atender o bem comum e manter sua infraestrutura funcionando, visto que as receitas originárias – que provêm do próprio patrimônio público – não são suficientes para custear suas atividades.

O referido poder de instituir tributos é divido entre os entes da federação – União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios – a fim de garantir autonomia e independência financeira, tal divisão é denominada de competência tributária.

A competência tributária de cada ente encontra-se dividida, principalmente, nas seções dentro do capitulo supracitado (título VI, cap. I da CF), os impostos que poderão ser instituídos pela União estão na Seção III (arts. 153 e 154), os impostos dos Estados e Distrito Federal estão na seção IV (art. 155), por fim, os impostos de competência dos Munícipios estão na seção V (art. 156).

Cabe destacar que a Constituição Federal não cria tributos, e sim autoriza os entes federados a institui-los, os quais possuem previsão expressa no próprio texto constitucional, e também contém parâmentos objetivos que devem ser observados pelo legislador infraconstitucional.

Já a lei complementar, nos termos do art. 146 da CF, cabe estabelecer normas gerais em matéria tributária (atual Código Tributário Nacional), regula as limitações constitucionais ao poder de tributar e dispõe sobre conflitos de competência entre os entes da federação.

Por fim, compete à lei ordinária instituir tributos, devendo constar todos os elementos essenciais para a validade desse tributo, como a hipótese de incidência, o sujeito ativo e passivo da relação tributária, a base de cálculo e a alíquota, esses institutos serão vistos mais detalhadamente nos próximos capítulos.

4. ASPECTOS IMPORTANTES SOBRE O TRIBUTO

O presente trabalho não objetiva detalhar todo o conceito, as espécies e a classificação sobre os tributos, o foco será apresentar em linhas gerais os pontos relevantes para que se possa avançar no estudo da responsabilidade tributária posteriormente.

4.1. CONCEITOS DE TRIBUTO

O conceito de tributo, embora não expressamente definido constitucionalmente, pode ser extraído da leitura do capítulo dedicado ao Sistema Tributário Nacional, constante nos arts. 145 a 156 da Carta Magna.

Nas palavras da ministra do Superior Tribunal de Justiça, Regina Helena Costa (2020, 140):

[...] tributo corresponde a uma relação jurídica existente entre Estado e contribuinte, uma vez implementada determinada situação fática prevista em lei como autorizadora dessa exigência, cujo objeto consiste numa prestação pecuniária, não revestida de caráter sancionatório, e disciplinada por regime jurídico próprio.

Nesse mesmo sentido, Leandro Paulsen (2020, p. 19) afirma que o tributo, segundo a Constituição, é uma:

[...] prestação em dinheiro exigida compulsoriamente, pelos entes políticos ou por outras pessoas jurídicas de direito público, de pessoas físicas ou jurídicas, com ou sem promessa de devolução, forte na ocorrência de situação estabelecida por lei que revele sua capacidade contributiva ou que consubstancie atividade estatal a elas diretamente relacionada, com vista à obtenção de recursos para o financiamento geral do Estado, para o financiamento de fins específicos realizados e promovidos pelo próprio Estado ou por terceiros em prol do interesse público.

Com efeito, podemos extrair desses conceitos alguns elementos semelhantes que nos revelam quais são as características essenciais de um tributo, os quais podem ser sintetizados como: relação jurídica entre sujeito ativo (entes políticos) e passivo (pessoas físicas ou jurídicas), decorrente de expressa previsão legal, que consiste na obrigação deste último em pagar, compulsoriamente, uma quantia em dinheiro ao primeiro e que essa obrigação não possua caráter sancionatório.

Apesar dos diversos conceitos de tributo existentes na doutrina, o legislador infraconstitucional optou por padronizar tal conceito, que se faz presente no artigo 3º do Código Tributário Nacional, o qual estabelece que: “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada” (BRASIL, 1966).

O conceito expresso no CTN, embora à primeira vista tenha ficado repetitivo ao afirmar o caráter pecuniário do tributo, consegue nos apresentar corretamente a sua essência. Do referido conceito legal, podemos extrair elementos importantes, os quais serão analisados especificadamente a seguir.

4.2. CARACTERÍSTICAS DO CONCEITO DE TRIBUTO

4.2.1. Prestação pecuniária compulsória

A redação legal não deixa dúvidas que o pagamento será feito em dinheiro, dessa forma, ocorrendo o fato descrito na norma, surge a obrigação de pagar o tributo. Destarte, afasta-se do conceito de tributo as obrigações que não sejam pecuniárias, como a prestação de serviço militar obrigatório, participar como jurado no tribunal do júri, etc.

Nas palavras do professor Paulo de Barros Carvalho (2019, p. 25): “Prestação pecuniária compulsória quer dizer o comportamento obrigatório de uma prestação em dinheiro, afastando-se, de plano, qualquer cogitação inerente às prestações voluntárias”.

Com efeito, o pagamento do tributo não é uma faculdade, mas sim uma imposição ao sujeito passivo a fim de que esse entregue ao Estado determinada soma em dinheiro, independentemente de sua vontade.

4.2.2. Em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir

Apesar de já ter afirmado que se trata de prestação pecuniária, o legislador infraconstitucional decidiu por prever expressamente, para alguns doutrinadores até de forma redundante[1], que essa prestação será saldada em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir.

Acredita-se que o legislador quis reforçar que esse pagamento poderá ser realizado de outra forma, senão em dinheiro, uma vez que o próprio CTN, em seu art. 162, autoriza outras formas de pagamento para a extinção do crédito tributário, como cheque ou vale postal, que não são necessariamente moeda, porém possuem valor pré-determinado.

Vale ressaltar que não é possível a instituição de tributos in natura ou in labore, cujo pagamento seria feito por meio de bens ou serviços, respectivamente. Todavia, apesar de não ser possível instituir um tributo que exige, especificamente, a entrega de bens, a extinção do crédito tributário poderá ocorrer por meio de dação em pagamento de bens imóveis, de acordo com o art. 156, inciso XI do CTN, in verbis: “Art. 156. Extinguem o crédito tributário: XI - a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei.”

4.2.3. Não constitui sanção por ato ilícito

Esse ponto do conceito é o que permite distinguir o tributo da multa tributária. Os tributos são cobrados em decorrência de um fato gerador praticado pelo sujeito passivo, dessa forma, os tributos tem como proposito a arrecadação para a manutenção e melhoria da sociedade e não a punição desse sujeito por determinada conduta ilegal.

O professor Paulo de Barros Carvalho (2019, p. 29) informa que:

[...] Foi oportuna a lembrança, uma vez que os acontecimentos ilícitos vêm sempre atrelados a uma providência sancionatória e, fixando o caráter licito do evento, separa-se, com nitidez, a relação jurídica do tributo da relação jurídica atinente às penalidades exigidas pelo descumprimento de deveres tributários.

As multas, apesar de serem receitas derivadas, compulsórias e instituídas em lei, não se confundem com o tributo, pelo fato de possuírem natureza claramente sancionatória por descumprimento de deveres tributários, e como já foi dito, o tributo busca custear determinadas atividades previstas no texto constitucional e não punir o sujeito passivo.

Nesse mesmo sentido, há tributos que não tem finalidade de arrecadação, mas sim a intervenção em um setor econômico. Apesar disso, esse tributo se diferencia das multas por também não buscar punição por um ato ilícito.

Com efeito, embora o tributo não constitua sanção por ato ilícito, em decorrência do princípio pecúnia non olet, admite-se que as riquezas auferidas com atividades ilícitas sejam tributadas, desde que seus fatos geradores posteriores sejam lícitos.

A esse respeito, o doutrinador Luis Eduardo Schoueri (2016, p. 178) nos ensina que:

É corrente o entendimento de que o resultado econômico do ato ilícito não pode ficar livre de tributação. Sustenta-se que a tributação incidirá em virtude de uma riqueza presente, não por conta da ilicitude, em si. [...] O tributo não terá por hipótese a própria conduta ilícita. Ocorre que esta conduta poderá implicar um efeito econômico e este (não a conduta que lhe deu origem) será alcançado pela lei tributária. Daí que quando o legislador prevê a tributação sobre um fato de índole econômica, será a ocorrência deste que dará ensejo à tributação, pouco importando se ele se deveu a um ato (ilícito) anterior que lhe dá causa.

Pela cristalina explanação supracitada, podemos concluir que não haverá tributação da conduta ilícita em si, mas tributar-se-á o resultado econômico oriundo de tal atividade, ou seja, quando um indivíduo faz a venda de entorpecentes, desse comércio não incidirá o ICMS, por se tratar de uma conduta claramente ilícita, todavia, o dinheiro obtido com a venda de drogas e depositado em conta corrente será alvo do imposto de renda, pois pouco importa se essa renda foi adquirida de forma licita ou não.

4.2.4. Instituído em lei

Com base no princípio da legalidade, analisado no capítulo anterior, o dever de pagar tributo sempre será instituído por lei, como requisito de validade. Nesse sentido, ao utilizar o termo “lei” sem especificação, o legislador está se referindo às leis ordinárias.

Com efeito, todos os requisitos essenciais para a validade do tributo deverão constar na lei que o elaborou, sob pena de caracterizar inexistente a obrigação tributária pretendida com a criação desse tributo.

4.2.5. Prestação cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada

Trata-se de atividade que não possui margem de discricionariedade, ou seja, ocorrido o fato gerador da obrigação tributária, o fisco tem o dever de fazer o lançamento para exigir que essa obrigação seja cumprida.

Nos dizeres de Luis Eduardo Schouer (2016, p. 190): “A Administração Pública não pode decidir se quer ou não cobrar o tributo, nem de quem ela quer cobrar. Não pode dispensar, por sua vontade, alguém do pagamento do tributo, mesmo que haja razões humanitárias para tanto”. (g.m.)

Dessa forma, o fisco deverá seguir estritamente o que prevê a legislação tributária, afastando do agente qualquer margem de juízo de conveniência, ou seja, somente poderá dispensar alguém do pagamento do tributo caso haja expressa previsão legal.

Caso o agente público competente se omita desse dever, poderá ser responsabilizado nos termos do artigo 142, parágrafo único, do CTN, in vebis: “A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.”

4.3. CLASSIFICAÇÃO DAS ESPÉCIES DE TRIBUTO

Na doutrina discutia-se as classificações dos tributos, na qual se destacam duas correntes, a teoria tripartite ou tricotômica, adotada pelo Código Tributário Nacional e aceita pela doutrina tradicional, e a teoria quíntupla ou pentapartite, amplamente majoritária na doutrina atual e adotada pelo Supremo Tribunal Federal.

A teoria tripartite defende que os tributos se dividem de acordo com o artigo 5º do CTN: “Os tributos são impostos, taxas e contribuições de melhoria” (BRASIL, 1966).

Para a respectiva teoria, defendida, dentre outros, pelo professor Paulo de Barros Carvalho, a análise da espécie tributária deve levar em consideração apenas a hipótese de incidência e a base de cálculo, segundo ele, essas duas características são capazes de identificar a natureza do tributo e afastar eventual incorreção por parte do legislador.

Os defensores da teoria tripartite não consideram os empréstimos compulsórios e as contribuições especiais como tributos autônomos, segundos eles, esses tributos devem ser enquadrados como imposto, taxa ou contribuição de melhoria.

Por outro lado, a teoria pentapartite defende a existência de cinco espécies tributárias de acordo com o previsto em nossa Constituição, que são: impostos, taxas, contribuição de melhoria (ambos contidos no artigo 145 da CF), empréstimos compulsórios e contribuições especiais (artigos 148 e 149 da CF, respectivamente).

O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento sobre a teoria quíntupla no julgamento RE 146.733-9/SP, voto do Rel. Min. Moreira Alves, no qual deixa claro a existência de cinco modalidades de tributo:

[...] a par das três modalidades de tributos (os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria) a que se refere o artigo 145 para declarar que são competentes para instituí-los a União, os Estados, Distrito Federal e os Municípios, os artigos 148 e 149 aludem a duas outras modalidades tributárias, para cuja instituição só a União é competente: o empréstimo compulsório e as contribuições sociais, inclusive as de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas [...] (1992, p. 16)

Dessa forma, fica evidente a existência de cinco modalidades, sendo as três primeiras (impostos, taxas e contribuições de melhoria) de competência concorrente da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, e as duas últimas (empréstimos compulsórios e as contribuições sociais) são de competência exclusiva da União.

A teoria quíntupla sofre críticas na doutrina clássica pelo fato de utilizar critérios diferentes para identificar as espécies de tributo, uma vez que os empréstimos compulsórios e as contribuições especiais são tributos finalísticos, isso quer dizer que a destinação do valor arrecadado é um dos critérios para diferenciá-los dos demais. Esses autores argumentam que o art. 4º do CTN prevê que para identificar a natureza dos tributos (impostos, taxas e contribuições de melhoria) basta verificar o fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevante a destinação legal do produto da sua arrecadação.

Porém, com o advento da Constituição Federal de 1988, entende-se que o artigo 4º do CTN foi parcialmente não recepcionado, uma vez que, ao contrário do que prevê o inciso II, a destinação legal do produto da arrecadação é importante para classificarmos algumas espécies tributárias, quais sejam, os empréstimos compulsórios e as contribuições especiais.

Os tributos podem ser vinculados ou não vinculados, para analisar essa questão se faz necessário verificar se a hipótese de incidência está vinculada a uma atividade especifica realizada pelo Estado ao contribuinte. Como exemplo de tributo vinculado temos as taxas e as contribuições de melhoria, por outro lado, os impostos sempre serão tributos não vinculados.

Para ilustrar o que foi mencionado acima, podemos citar como tributo vinculado a taxa de coleta de lixo, visto que o contribuinte paga a respectiva taxa a fim de receber determinado serviço, nesse caso, coleta e remoção de resíduos, já como tributo não vinculado temos o IPVA, uma vez que não há qualquer contraprestação por parte do Estado, basta ser dono de veículo automotor para que ocorra o fato gerador.

5. OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA

No presente capítulo será apresentado o conceito de obrigação tributária, seus elementos essenciais como obrigação principal e acessória, hipótese de incidência e fato gerador, sujeito ativo e passivo.

5.1. CONCEITOS BÁSICOS

O conceito de obrigação tributária, de modo geral, se assemelha ao conceito de obrigação no âmbito civil. O conceito de obrigação segundo o doutrinador civilista Washington de Barros Monteiro (2015, p. 8) é: “[...] a relação jurídica, de caráter transitório, estabelecida entre devedor e credor e cujo objeto consiste numa prestação pessoal econômica, positiva ou negativa, devida pelo primeiro ao segundo, garantindo-lhe o adimplemento através de seu patrimônio”.

Dessa forma, o que distingue a obrigação tributária da obrigação civil é o objeto da relação jurídica e a sua formação. Nas relações privadas a formação dessa relação decorre da vontade das partes, já nas relações tributárias de exigência legal, independentemente da vontade do sujeito passivo.

A obrigação tributária caracteriza-se por ser uma relação jurídica entre o sujeito ativo, o Estado, e o sujeito passivo, denominado contribuinte ou responsável, cuja finalidade consiste em uma prestação positiva ou negativa de natureza tributária, nas condições estabelecidas em lei.

Nos dizeres do doutrinador Alexandre Mazza: (2018, p. 657) “Obrigação tributária é a relação jurídica entre o credor (Fisco) e o devedor (contribuinte ou responsável), instituída por lei e submetida aos princípios e normas do Direito Tributário, tendo como objeto prestações de dar, de fazer ou de não fazer”.

Dessa forma, quando o tributo é criado, surge sua hipótese de incidência, ou seja, há previsão abstrata do fato que dará causa à obrigação tributária. Quando esse fato se concretiza, denomina-se fato gerador ou fato imponível, a partir de então nasce a obrigação tributária.

Conforme dito acima, realizado o fato gerador, nasce a obrigação tributária, contudo, ainda não há credito constituído, uma vez que a administração deve fazer o lançamento desse crédito tributário, auferindo seu respectivo valor, e posteriormente notificar o sujeito passivo.

Somente após a notificação do sujeito passivo é que o crédito tributário estará constituído, dessa forma, havendo apenas o lançamento sem a devida notificação, o prazo decadencial continua a "correr" contra a fazenda pública.

Nesse diapasão, nos termos do art. 144, caput e §1º do CTN, o lançamento reger-se-á pela lei vigente no momento em que ocorreu o fato gerador da obrigação tributária e não da data do respectivo lançamento. Contudo, tal regra comporta algumas exceções, como a ampliação de garantias e privilégios ao crédito tributário pela nova lei ou o aumento dos poderes de fiscalização da administração.

Concluídas essas considerações iniciais, faz-se necessário analisar detalhadamente os elementos objetivos (prestações) e subjetivos (sujeitos) da obrigação tributária.

5.2. ELEMENTOS DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA

5.2.1. Obrigações principais e acessórias

Conforme estabelece o art. 113 do CTN, a obrigação tributária divide-se em principal e acessória, ao prever em seu texto legal: “Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.”

A definição de obrigação principal encontra-se no §1º do artigo supracitado, afirmando que “a obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente”.

Com efeito, a obrigação principal caracteriza-se pela sua natureza patrimonial, ou seja, sempre que o contribuinte se achar obrigado a pagar algum tributo ou multa tributária (penalidade pecuniária), estaremos diante de uma obrigação principal. Conforme visto anteriormente, apesar do tributo e das multas não se confundirem, ambas são obrigações principais devido ao seu conteúdo pecuniário.

A obrigação principal exige lei em sentido estrito para definir seus aspectos, esta obrigação poderá ser cumprida por terceiros na condição de substituto ou responsável e a extinção do crédito decorrente dessa obrigação pode ocorrer por umas das formas presentes no art. 156 do CTN.

Já a obrigação acessória, diferentemente da obrigação principal, não possui natureza pecuniária, ou seja, trata-se de obrigação residual, a qual engloba as outras situações que não sejam pagamento, as acessórias têm a finalidade de auxiliar na arrecadação e na fiscalização dos tributos.

De acordo com o §2º do art. 113, “a obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.”

Pode-se citar como exemplo de obrigação acessória a escrituração dos livros contábeis, a retenção e recolhimento do imposto de renda pela fonte pagadora, etc.

O termo “legislação tributária” citado no artigo supramencionado refere-se as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes (art. 96, CTN).

Portanto, quando o sujeito passivo for obrigado a realizar um pagamento, estaremos diante de uma obrigação principal, por outro lado, sendo qualquer outra obrigação que não exija pagamento, estaremos diante de uma obrigação acessória.

5.2.2. Hipótese de incidência e fato gerador

Conforme mencionado anteriormente, a hipótese de incidência é criada quando o legislador institui um tributo, a qual fará previsão abstrata de um fato que dará causa à obrigação tributária. Nas palavras do doutrinador Geraldo Ataliba (2012, p. 66), hipótese de incidência pode ser conceituada como “a descrição hipotética e abstrata de um fato. É parte da norma tributária. É o meio pelo qual o legislador institui um tributo. Está criado um tributo, desde que a lei descreva sua h.i., a ela associando o mandamento “pague”.”

Nesse sentido, quando temos a subsunção do fato à hipótese de incidência, ou seja, o fato descrito na legislação se concretiza no mundo material, surge o fato gerador, o qual criará a obrigação de pagar o tributo, sendo esse exigível após o lançamento, quando fica constituído o crédito tributário.

Fica claro que é necessário o exato enquadramento do fato materializado com os parâmentos descritos na norma. Dessa forma, a fim de que a obrigação tributária possua elementos claros, a doutrina majoritária expõe alguns aspectos importantes que deverão ser observados no momento da instituição do tributo, são eles: aspecto material, espacial, temporal, pessoal e quantitativo.

O aspecto material trata-se do objeto da incidência, que pode ser determinada condição ou conduta, como por exemplo a condição de ser proprietário de imóvel urbano, nesse caso surge a obrigação de pagar o IPTU, ou vender mercadoria, conduta que resultará na cobrança do ICMS.

O aspecto espacial refere-se aos limites territoriais da incidência do tributo ou o local especifico em que se considera ocorrido o fato gerador, é necessário para verificarmos, por exemplo, a qual Município pertence parte da arrecadação com IPVA.

O aspecto temporal define o momento em que se considera praticado determinado fato gerador, tal previsão é essencial para que possamos definir qual lei será aplicada e qual alíquota será utilizada no cálculo, a luz do princípio da irretroatividade.

O aspecto pessoal é responsável por definir o sujeito ativo da obrigação tributária, bem como os sujeitos passivos dessa relação jurídica.

Por fim, o aspecto quantitativo trata de qual valor deverá ser pago pelo devedor (sujeito passivo). Para calcular esse valor é necessário verificar o aspecto temporal a fim de saber qual será a base de cálculo e a alíquota utilizadas.

5.2.3. Sujeito ativo

O sujeito ativo da obrigação tributária, conforme exprime o art. 119 do CTN, é a pessoa jurídica de direito público titular da competência para exigir seu cumprimento, ou seja, trata-se do titular responsável pelo lançamento e cobrança desse tributo.

Importante destacar que a competência para exigir o tributo não se confunde com a competência para instituir o tributo, esta é indelegável, já aquela é passível de delegação para outra pessoa de direito público, nos termos do art. 7º do CTN.

Destarte, há discussão doutrinaria a respeito da possiblidade de delegação dessa capacidade ativa à pessoa jurídica de direito privado, embora essa possa vir a ser responsável por arrecadar o tributo ou receber o produto de sua arrecadação, ela não possui a competência para exigir seu pagamento, logo não se caracteriza como sujeito ativo.

Nesse diapasão, conforme nos ensina Hugo de Brito Machado (2010, p. 149):

“[...] titular da competência para exigir o cumprimento da obrigação tributária entendemos a pessoa jurídica que tem condições de constituir o crédito, inscrevê-lo em Dívida Ativa e promover a execução fiscal correspondente, com certeza não podemos colocar nessa condição a pessoa jurídica de direito privado, nem a pessoa natural. Tais pessoas podem receber atribuições de arrecadar o tributo. Não, porém, de exigi-lo [...]” (g.m.)

Portanto, apesar dos que defendem a possibilidade da pessoa jurídica de direito privado poder figurar o polo ativo dessa relação, trazendo como exemplo as contribuições sociais instituídas em favor das entidades sindicais que podem executar esses créditos, ressalta-se que as entidades sindicais não têm autonomia para inscrever o crédito na Dívida Ativa a fim de constitui-lo, dessa forma, conclui-se que não possuem capacidade ativa.

5.2.4. Sujeito Passivo

O sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa – física ou jurídica – que está obrigada a realizar o pagamento de determinado tributo ou penalidade pecuniária devidamente imposta, conforme expõe art. 121, caput do CTN. Por conseguinte, conforme abordado nos tópicos anteriores, o sujeito passivo da obrigação acessória é aquele obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa que não seja pagar, de acordo com o art. 122 do CTN.

O sujeito passivo da obrigação principal divide-se em duas figuras, de um lado temos o contribuinte e de outro o responsável.

O contribuinte, também chamado de sujeito passivo direto, é aquele que possui relação pessoal e direta com o fato gerador que fez surgir a obrigação tributária, nos termos do art. 121, parágrafo único, inciso I do CTN, in verbis: “O sujeito passivo da obrigação principal diz-se: I - contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;”

Já o responsável, também chamado de sujeito passivo indireto, é aquele que é obrigado por lei ao pagamento de determinado tributo, porém não tem relação pessoal e direta com esse fato gerador, conforme expõe o inciso II do artigo supracitado, diz-se “responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.”

A título de exemplo, imaginemos um indivíduo que é proprietário de determinado imóvel urbano, por ser proprietário desse imóvel ele deverá pagar anualmente o imposto sobre a propriedade territorial urbana (IPTU), dessa forma, esse indivíduo é contribuinte pois tem relação pessoal e direta com o fato gerador do IPTU, conforme art. 32 do CTN. Por outro lado, caso esse indivíduo tenha adquirido determinado imóvel, mas somente após compra-lo percebe que há débitos de IPTU atrasados por falta de pagamento do proprietário anterior, veja que ele não possui relação pessoal e direta com os valores atrasados, contudo, por imposição legal, art. 130, caput do CTN, esse indivíduo torna-se responsável por estes valores.

Ainda utilizando o exemplo acima, caso o adquirente faça um contrato com o vendedor, no qual este afirme que pagará os débitos de IPTU atrasados, esse contrato não poderá ser imposto ao fisco a fim de modificar a sujeição passiva da relação tributária, conforme prescreve o art. 123 do CTN, assim, mesmo que esse contrato seja válido entre os particulares, o fisco exigirá os valores do novo proprietário, que posteriormente poderá ingressar na esfera cível contra o vendedor para exigir o cumprimento desse contrato.

A inoponibilidade das convenções particulares à fazenda pública pode ser constatada pela redação do art. 123 do CTN e pela jurisprudência dos Tribunais Superiores, como se observa na recente ementa transcrita abaixo:

TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO N. 3/STJ. IPTU. LEGITIMIDADE ATIVA. LOCATÁRIO. PREVISÃO CONTRATUAL. SÚMULA N. 5/STJ. INOPONIBILIDADE DAS CONVENÇÕES PARTICULARES AO FISCO. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. A parte sustenta sua legitimidade para pleitear a restituição dos valores na medida em que o contrato de locação prevê a responsabilidade da agravante pelo pagamento do tributo. A interpretação das cláusulas do contrato de locação esbarra no óbice da Súmula n. 5/STJ. 2. Ademais, vale destacar que as convenções particulares não são oponíveis ao Fisco. A relação tributária se estabelece entre o Fisco, de um lado, como seu sujeito ativo, e, de outro, o contribuinte, como seu sujeito passivo. É uma relação de natureza objetiva, em que não devem ser admitidos elementos estranhos, a teor do disposto no art. 123 do Código Tributário Nacional. 3. Agravo interno não provido.[2] (g.m.)

O sujeito passivo da obrigação tributária possui capacidade para figurar o polo passivo dessa relação jurídica independentemente de sua capacidade civil ou penal, sendo pessoa física, ou de sua constituição/atuação regular, sendo pessoa jurídica, nos termos do art. 126, caput e incisos do CTN.

Dessa forma, um menor que não tenha capacidade civil plena para praticar os atos da vida civil, ainda assim possui capacidade tributária, podendo figurar o polo passivo em eventual execução fiscal.

Nas palavras do professor Ricardo Alexandre (2017, p. 362):

Para o direito tributário, a diferenciação é irrelevante. Se uma criança de dez anos de idade é proprietária de um imóvel na área urbana do Município, é contribuinte do IPTU. Se o imóvel está alugado a particulares, a criança é contribuinte do imposto de renda incidente sobre o valor dos aluguéis.

A diferenciação da capacidade tributária das outras acepções de capacidade nos diversos ramos do Direito é importante para evitar eventuais escusas de responsabilidade que o sujeito passivo possa alegar, como menoridade, incapacidade mental, com o intuito de burlar a legislação e não pagar os créditos tributários.

Nesse mesmo sentido, basta que a pessoa jurídica configure uma unidade econômica ou profissional para possuir capacidade tributária passiva, pois do contrário a PJ poderia alegar qualquer tipo de irregularidade em sua constituição ou atuação para se eximir do pagamento dos tributos, o que seria uma forma de prestigiar a fraude em nosso país.

6. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA

A responsabilidade tributária, conforme explorado no tópico anterior, trata-se da imposição ao sujeito passivo de adimplir determinada obrigação tributária, seja ele contribuinte, quando possuir relação pessoal e direta com o fato gerador, ou responsável, quando por imposição legal tem o dever de adimplir obrigação de outrem.

Conforme nos ensina Hugo de Brito Machado (2010, p. 158), a responsabilidade tributária possui um sentido amplo e um sentido estrito:

Em sentido amplo, é a submissão de determinada pessoa, contribuinte ou não, ao direito do fisco de exigir a prestação da obrigação tributária. [...] Em sentido estrito, é a submissão, em virtude de disposição legal expressa de determinada pessoa que não é contribuinte, mas está vinculada ao fato gerador da obrigação tributária, ao direito do fisco de exigir a prestação respectiva.

O responsável, embora não tenha relação pessoal e direta com o fato gerador, senão seria contribuinte, não pode ser arbitrariamente escolhido pelo legislador, conforme prescreve o art. 128 do CTN, a terceira pessoa deve ter algum vínculo com o fato gerador da respectiva obrigação, pois seria uma violação à segurança jurídica se essa responsabilidade fosse atribuída indiscriminadamente a pessoa estranha a essa relação.

Nesse diapasão, o Código Tributário Nacional traz as formas em que esse terceiro integrará essa relação jurídico-tributária, podendo ser por substituição ou por transferência, essa última subdivide-se em responsabilidade dos sucessores (arts. 129 a 133), de terceiros (arts. 134 e 135) e por infrações (arts. 136 a 138).

O presente trabalho tem enfoque na responsabilidade de terceiros, especificamente na responsabilidade dos sócios administradores das sociedades limitadas, o que será aprofundado nos próximos tópicos, porém cabe algumas breves considerações sobre estas modalidades.

Na responsabilidade por substituição a sujeição passiva recai sobre o substituto – responsável – mesmo antes da pratica do fato gerador pelo contribuinte, ou seja, a sujeição passiva não recai sobre o contribuinte e depois é transferida para o responsável, mas sim já nasce para o responsável legal ficando o contribuinte desde logo livre de tal obrigação.

Conforme nos ensina o professor Ricardo Alexandre (2017, p. 375):

Nos casos de responsabilidade por substituição, desde a ocorrência do fato gerador, a sujeição passiva recai sobre uma pessoa diferente daquela que possui relação pessoal e direta com a situação descrita em lei como fato gerador do tributo. Em nenhum momento o dever de pagar o tributo recai sobre a figura do contribuinte, não havendo qualquer mudança subjetiva na obrigação.

Um exemplo bastante citado na doutrina para ilustrar essa substituição é a retenção dos rendimentos relativos ao IPRF pela fonte pagadora, ou seja, um trabalhador que aufere renda é contribuinte de imposto de renda, apesar disso, a empresa na qual ele trabalha fica responsável pelo recolhimento do valor devido e o repasse ao fisco, eximindo esse contribuinte do encargo para com o fisco e, ocorrendo irregularidades no repasse desses valores, a Fazenda Pública deverá procurar a empresa e não o trabalhador, o que facilita a arrecadação e a fiscalização.

O exemplo acima pode ser observado em diversos julgados, como no exposto a seguir:

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA. RETENÇÃO PELA FONTE PAGADORA. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. “TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA. RETENÇÃO PELA FONTE PAGADORA. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. [...] 2. Na sistemática da tributação na fonte, o retentor (fonte pagadora) desconta dos valores devidos ao beneficiário do rendimento o imposto que este deveria pagar ao Fisco e, no dia fixado em lei, deverá recolher o montante retido desse beneficiário aos cofres públicos, sob pena de incorrer em crime de apropriação indébita. Trata-se de hipótese de responsabilidade tributária por substituição, porquanto decorrente de expressa disposição legal, onde a obrigação tributária é imputada diretamente a pessoa distinta daquela que, tendo praticado o fato gerador, deveria ser o sujeito passivo. Inteligência do artigo 128 do CTN. [...][3] (g.m.)

Na responsabilidade por transferência, materializado o fato gerador do tributo a sujeição passiva recai, a princípio, sobre o contribuinte, contudo, por expressa previsão legal, essa sujeição passiva é transferida a outra pessoa, a qual será obrigada a adimplir tal obrigação.

Podemos citar como exemplo de responsabilidade por transferência, o fato de determinada pessoa falecer e deixar dívidas tributárias, essas dívidas adquiridas até a abertura da sucessão serão transferidas ao espólio (montante de bens deixado pelo falecido), conforme prescreve o art. 131, III do CTN.

No exemplo dado no capítulo anterior, sobre o adquirente que compra um imóvel com valores atrasados de IPTU, trata-se de responsabilidade por transferência, pois adquirindo esse imóvel as obrigações devidas ao fisco sub-rogam-se na pessoa do novo proprietário, ou seja, as obrigações do antigo proprietário são transferidas para o novo proprietário, nos termos do art. 130, caput do CTN.

Feita essas considerações iniciais, analisaremos a seguir as formas em que este responsável assumirá essa sujeição passiva, podendo ser pessoalmente responsável, solidariamente com o contribuinte ou subsidiariamente.

6.1. Responsabilidade subsidiária

A responsabilidade subsidiária é a modalidade na qual contribuinte e responsável integram juntos o polo passivo da relação jurídica, contudo, há nessa modalidade o benefício de ordem, fazendo com que o contribuinte seja executado em primeiro lugar e somente no caso de impossibilidade no pagamento por parte desse é que o fisco cobrará do responsável.

Tal benefício de ordem decorre de expressa previsão legal, como ocorre no arts. 133, II e no art. 134, caput do CTN, in verbis:

Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato: [...] II - subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de seis meses a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão. (g.m)

Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis: [...]. (g.m)

Extrai-se da legislação supracitada que nesses casos o responsável terá o benefício de ordem, uma vez que no art. 133 consta expressamente que o adquirente de fundo de comercio ou estabelecimento comercial responderá subsidiariamente com o alienante caso esse continue a explorar atividade comercial dentro de seis meses a contar da alienação.

Já o art. 134 afirma que nos casos em que o contribuinte não consiga cumprir suas obrigações o responsável que praticou atos ou omissões relacionados a essa obrigação será chamado para adimpli-la, ou seja, aquele deverá ser executado primeiro e não sendo possível encontrar fundos suficientes para quitar a dívida este último será chamado para cumpri-la.

Conforme será aprofundado no próximo capítulo, o inciso VII do art. 134 apresenta a hipótese de responsabilidade subsidiária dos sócios no caso de liquidação de sociedade de pessoas, ou seja, quando da liquidação da sociedade (ato necessário para extingui-la), verificar-se-á primeiramente se o patrimônio (bens e direitos) dessa sociedade satisfaz todas as suas obrigações (passivo), caso seja positivo não há que se falar em responsabilidade dos sócios, por outro lado, caso o patrimônio da entidade não seja capaz de saldar suas dívidas tributárias o fisco poderá redirecionar essa execução para os sócios a depender do tipo societário.

6.2. Responsabilidade solidária

A responsabilidade solidária é a modalidade na qual contribuinte e responsável também figuram juntos no polo passivo da relação jurídica, todavia, diferentemente da modalidade anterior, esta não prevê benefício de ordem, respondendo integralmente pela dívida não só o contribuinte como também o responsável legal, ou seja, o fisco terá o direito de executar o responsável pelo valor total da dívida antes mesmo de exigir o cumprimento por parte do contribuinte.

Essa solidariedade não se presume, conforme prevê o art. 124 do CTN, ela decorre de expressa previsão legal (art. 124, II) ou nos casos em que os indivíduos possuam interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal (art. 124, I).

Para exemplificar essa modalidade, imaginemos que João e Maria compraram juntos um determinado automóvel, dividiram o valor igualmente e acordaram que os eventuais impostos também seriam divididos igualmente, dessa forma, ambos são contribuintes de IPVA pois possuem relação pessoal e direta com o fato gerador da respectiva obrigação.

Passados alguns anos, verifica-se que não houve o devido pagamento do IPVA e o montante dessa dívida está em R$20.000,00 (vinte mil reais), nesse caso, há solidariedade devido ao interesse comum, permitindo que o fisco execute os vinte mil reais de ambos ou somente de um deles.

Os efeitos da solidariedade estão disciplinados nos incisos do art. 125 do CTN, o qual afirma em seu inciso I que o pagamento efetuado por um dos obrigados aproveita aos demais, ou seja, no exemplo supracitado, o pagamento integral da dívida por João também desonera Maria, ficando essa livre da obrigação perante o fisco, porém podendo vir a ser obrigada na esfera cível a reembolsar João pela fração que lhe era devida.

Já em seu inciso II afirma que as isenções ou remissões de crédito exonera todos os obrigados, salvo se outorgada pessoalmente a um deles, subsistindo, nesse caso, a solidariedade quanto aos demais pelo saldo, assim, as isenções ou remissões que não possuam caráter pessoal terão seus efeitos estendidos aos demais obrigados, contudo, se tal benefício é resultado de determinada característica subjetiva (pessoal) de um deles, esse benefício não será estendido aos demais.

Em uma situação hipotética em que o Estado de São Paulo crie uma lei que isente as pessoas com deficiência ao pagamento de IPVA e que somente João atenda esse requisito, temos um benefício de caráter pessoal dado a João que não se estende a Maria, dessa forma, no exemplo citado acima, a Fazenda Pública poderia executar Maria pelo restante do crédito devido de IPVA – dez mil reais –, porém não poderia cobra-los de João, uma vez que ele é isento por lei de tal pagamento.

Por fim, o inciso III afirma que a interrupção da prescrição, em favor ou contra um dos obrigados, favorece ou prejudica aos demais, nesse sentido, conforme nos ensina o professor Ricardo Alexandre (2017, p. 360) temos duas hipóteses de prescrição, a saber:

Na primeira hipótese, a prescrição é o prazo extintivo que, se consumado, implicará a extinção da possibilidade de o Estado promover a ação de execução fiscal, visando ao recebimento coativo do crédito tributário não quitado pelo contribuinte, nem extinto por alguma outra hipótese legal dentre as previstas no art. 156 do Código.

Na segunda, a prescrição é o prazo extintivo, que, se consumado, implicará a extinção da possibilidade de o sujeito passivo que pagou tributo indevido, ou maior que o devido, ajuizar a ação anulatória contra a decisão que denegar pedido administrativo de restituição. Nos termos do art. 169 do CTN, o prazo é de dois anos.

Destarte, na primeira hipótese, o prazo prescricional “corre” contra o fisco, dessa forma, caso este deixe o prazo de cinco anos a contar da constituição definitiva do crédito escoar, tal crédito não poderá mais ser exigido, todavia, ocorrendo umas das hipóteses previstas no art. 174, parágrafo único do CTN, antes de transcorrer esse prazo, teremos a interrupção do prazo prescricional em favor da Fazenda Pública que resultará na restituição integral do prazo para o ajuizamento da ação de execução fiscal.

Já na segunda hipótese o prazo prescricional “corre” contra o sujeito passivo (contribuinte ou responsável), desse modo, após a decisão administrativa que denega o pedido de restituição dos valores pagos indevidamente esse sujeito tem dois anos para ajuizar a ação anulatória perante o juízo competente, ocorrendo a interrupção do prazo prescricional a partir da intimação válida do representante da Fazenda Pública, porém não haverá a restituição integral do prazo, mas sim a metade, conforme prescreve o art. 169, caput e parágrafo único do CTN.

6.3. Responsabilidade pessoal

A responsabilidade pessoal é a modalidade que mais se diferencia das anteriormente citadas, uma vez que, naquelas, contribuinte e responsável figuram juntos o polo passivo da relação jurídico-tributária, já nesta, o responsável legal substitui o contribuinte e passa a figurar sozinho o polo passivo dessa relação.

Nas palavras de Leandro Paulsen (2020, p. 102), a responsabilidade pessoal estará caracterizada quando:

[...] determinada pela referência expressa ao caráter pessoal ou revelada pelo desaparecimento do contribuinte originário, pela referência à sub-rogação ou pela referência à responsabilidade integral do terceiro em contraposição à sua responsabilização ao lado do contribuinte.

Com efeito, o Código Tributário Nacional traz em seu art. 131 as hipóteses de responsabilização pessoal em determinadas situações e no art. 130 a sub-rogação dos créditos relativos a imóveis aos adquirentes, in verbis:

Art. 130. Os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, e bem assim os relativos a taxas pela prestação de serviços referentes a tais bens, ou a contribuições de melhoria, sub-rogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes, salvo quando conste do título a prova de sua quitação. Parágrafo único. No caso de arrematação em hasta pública, a sub-rogação ocorre sobre o respectivo preço. (g.m.)

Art. 131. São pessoalmente responsáveis: I - o adquirente ou remitente, pelos tributos relativos aos bens adquiridos ou remidos; II - o sucessor a qualquer título e o cônjuge meeiro, pelos tributos devidos pelo de cujus até a data da partilha ou adjudicação, limitada esta responsabilidade ao montante do quinhão do legado ou da meação; III - o espólio, pelos tributos devidos pelo de cujus até a data da abertura da sucessão. (g.m.)

Já no art. 135, III o CTN prescreve que os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado serão pessoalmente responsáveis pelos créditos tributários decorrentes dos atos que praticaram com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, contudo, não há concesso na doutrina quanto à forma de responsabilização do sócio e se a norma exclui ou não a pessoa jurídica do polo passivo, essa discussão será aprofundada nos próximos tópicos (5.2).

O presente trabalho objetiva analisar os limites em que os sócios administradores podem ser responsabilizados pessoalmente por seus atos, uma vez que, a princípio, a sociedade empresária responde pelas dívidas que adquiriu com seu próprio patrimônio e excepcionalmente os sócios respondem com o patrimônio pessoal.         

7. DA RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DOS SÓCIOS ADMINITRADORES DE SOCIEDADES LIMITADAS

Inicialmente, após estudarmos os institutos de Direito Tributário apresentados nos tópicos anteriores, os quais são de suma importância para adentrarmos neste capítulo sobre a responsabilização dos sócios, cabe destacar algumas regras societárias que regem as sociedades empresárias brasileiras.

A responsabilização dos sócios por dividas adquiridas pela sociedade é medida excepcional que se impõe, uma vez que, em decorrência do princípio da autonomia patrimonial, a sociedade empresária possui património próprio, o qual não sem confunde com o das pessoas que a compõe, dessa forma, todas as obrigações adquiridas pela sociedade devem afetar apenas o seu patrimônio e, de forma subsidiária, o patrimônio dos sócios da sociedade limitada responde até o limite do capital que subscreveram e não integralizaram.

Conforme dito acima, os sócios podem responder por dividas da pessoa jurídica até o limite do capital social subscrito e não integralizado, nas palavras do professor Fabio Ulhoa Coelho (2011, p. 183), capital subscrito e integralizado são, respectivamente: “Capital subscrito é o montante de recursos que os sócios se comprometem a entregar para a formação da sociedade; integralizado é a parte do capital social que eles efetivamente entregam.”

Nesse diapasão, caso o patrimônio da sociedade seja insuficiente para suportar determinada dívida, havendo capital subscrito e não integralizado, os sócios responderão entre si de forma solidária, ou seja, todos os sócios, inclusive aqueles que já integralizaram a sua parte, respondem por esse valor não integralizado, porém, aquele que arcar com o respectivo valor poderá reaver o montante pago mediante ação regressiva.

Por outro lado, caso o capital subscrito já tenha sido totalmente integralizado não há que se falar em responsabilização dos sócios, uma vez que estes já cumpriram suas obrigações com a sociedade, desse modo, em eventuais dívidas que a sociedade não consiga adimplir somente resta ao credor suporta-la sem receber seu crédito.

Apesar da regra supracitada afirmar que a responsabilização não alcança os sócios quando estes já tenham integralizado o capital social, o art. 1.080 do Código Civil traz uma das exceções à regra, no qual afirma que os sócios responderão de forma ilimitada quando suas deliberações infringirem a lei ou o contrato social. 

A regra trazida pelo artigo supramencionado do código civil assemelha-se ao art. 135, III, do CTN, pois este afirma que os sócios que detenham poder de mando (diretores, gerentes ou representantes) responderão pela dívida resultante de seus atos praticados com excesso de poder ou infração a lei, contrato social ou estatuto, ou seja, apesar do capital social estar totalmente integralizado o sócio infrator responderá ilimitadamente pelos créditos tributários que deu causa.

O presente trabalho objetiva analisar o alcance e as hipóteses de responsabilização dos sócios administradores pelos créditos tributários que resultaram de suas ações, especificamente sob a ótica das sociedades limitadas, presentes nos arts. 134, VII e 135, III do CTN, as quais se passa a investigar a seguir.

7.1. A (IN)APLICABILIDADE DO ART. 134, VII DO CTN ÀS SOCIEDADES LIMITADAS

O art. 134 do CTN transcrito abaixo estabelece uma hipótese de responsabilidade subsidiária por transferência ao afirmar que nos casos em que o contribuinte não consiga adimplir a obrigação principal, os responsáveis constantes em seus incisos responderão solidariamente.

Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis: [...] VII - os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas. Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de penalidades, às de caráter moratório.

A doutrina critica a redação do artigo supracitado afirmando que há uma imprecisão técnica em seu caput por constar a expressão “solidariamente”, pois, na verdade, trata-se de responsabilidade subsidiária, uma vez que os responsáveis somente serão chamados para adimplir a obrigação tributária quando o contribuinte não puder cumpri-la.

Dessa forma, o legislador equivocou-se ao afirmar “respondem solidariamente com este” fazendo referência ao contribuinte, pois entre contribuinte e responsável há responsabilidade subsidiária e não solidária, contudo, acreditamos que ao fazer referência à solidariedade ele quis dizer que, havendo mais de um responsável na mesma relação jurídica, estes respondem solidariamente pelo crédito tributário.

 Analisaremos exclusivamente o inciso VII do artigo transcrito, no qual prescreve a responsabilização dos sócios na liquidação das sociedades de pessoas, desse modo, faz-se necessário distinguir sociedade de pessoas e sociedade de capitais a fim de avaliar se a respectiva norma se aplica ou não as sociedades limitadas.

Com efeito, na sociedade de pessoas as qualidades subjetivas dos sócios são de extrema importância para sua constituição, em alguns casos a formação da sociedade decorre justamente dessas qualidades, ou seja, nesse tipo societário os indivíduos com suas habilidades são mais importantes do que o dinheiro que estão investindo, desse modo, dada a relevância da pessoa do sócio, ocorrendo sua morte ou incapacidade poderá acarretar na dissolução parcial ou total desta sociedade.

Nas palavras do professor Fabio Ulhoa Coelho (2011, p. 147), “há sociedades em que os atributos individuais do sócio interferem com a realização do objeto social [...] a circunstância de ser o sócio competente, honesto ou diligente tem relevância para o sucesso ou fracasso da empresa [...]”.

Já na sociedade de capitais, em contraste com a sociedade de pessoas, as características individuais dos sócios não são tão importantes quanto o capital que estes estão aplicando, nesse sentido, há maior liberdade para substituição e ingresso de novos sócios, visto que neste tipo societário a capacidade financeira dos sócios tem mais relevância do que seus atributos subjetivos.

Posto isso, uma das características essenciais que nos auxilia diferenciar na pratica se determinada sociedade será de pessoas ou de capitais é a forma em que seu contrato social trata a entrada de estranhos em seu quadro societário.

Nesse diapasão, caso a lei ou o contrato social limite a entrada de terceiros no quadro societário da empresa, tem-se uma sociedade de pessoas, por outro lado, não havendo restrições à alienação das quotas para terceiros, tem-se uma sociedade de capitais, assim, nas palavras de Fabio Ulhoa Coelho (2011, p. 148):

[...] o direito comercial criou um grupo de sociedades em que a alienação da participação societária por um dos sócios, a terceiro estranho da sociedade, depende da anuência dos demais sócios e um outro grupo em que esse negócio jurídico independe da mencionada anuência.

Podemos citar como exemplo de sociedade de pessoas as sociedades em nome coletivo e as comanditas simples, já como sociedade de capitais temos as sociedades anônimas e as comanditas por ações.

Nas sociedades de pessoas os sócios respondem subsidiariamente e ilimitadamente por obrigações devidas pela pessoa jurídica, é o que ocorre com as sociedades em nome coletivo ou com o sócio comanditado nas sociedades em comandita simples. Em sentido diverso, nas sociedades de capitais os sócios respondem subsidiariamente e limitadamente pelas obrigações sociais até o montante do valor subscrito e não integralizado.

Destarte, há discussões acerca da exata classificação das limitadas, pois nas eventuais omissões em seu capitulo próprio (arts. 1.052 a 1.087 do CC), aplicar-se-á as regras destinadas às sociedades simples (arts. 997 a 1.038 do CC), caracterizando-a como sociedade de pessoas, todavia, os sócios poderão optar pelo regime supletivo das sociedades anônimas (Lei nº 6.404/76), fazendo constar expressamente no contrato social e por conseguinte adotar-se-á o caráter capitalístico.

Por essa razão, a sociedade limitada pode ser classificada como mista, visto que a depender de como ficou definido no contrato social a possibilidade de veto para o ingresso de novos sócios, o procedimento de cessão das quotas, os efeitos em caso de falecimento de um dos sócios, a limitada pode ser de pessoas ou de capitais.

Nesse diapasão, a primeira turma do Supremo Tribunal Federal ao julgar o RE 70.870-SP[4], relatoria do Ministro Aliomar Baleeiro, concluiu que as sociedades por quotas de responsabilidade (sociedades limitadas) são de natureza mista e não de pessoas e, consequentemente, não lhes aplicaria o art. 134, VII, do CTN, somente haveria responsabilidade dos sócios quando verificado atos praticados com excesso de poder ou infração a lei, contrato social ou estatuto (art. 135 do CTN).

Assim, havendo dissolução regular da sociedade, não há que se falar em responsabilização dos sócios por dívidas contraídas pela pessoa jurídica, nesse sentido, a obra do mestre Aliomar Baleeiro (2018, p. 1635) – atualizada pela Dra. Misabel Derzi – nos ensina que:

Em princípio, se o capital da sociedade foi integralizado e a dissolução foi regular, o sócio não responde. No entanto, se ocorre a dissolução irregular da sociedade, aqueles que a provocaram por omissão ou ação serão responsabilizados. [...] o redirecionamento da execução deve ser feito somente aos sócios que permaneciam na sociedade no momento da dissolução, não podendo ser responsabilizados os sócios que já tenham se desligado.

Portanto, ante todo o exposto, conclui-se que a sociedade limitada não se constitui exclusivamente de uma sociedade de pessoas, em decorrência disso, não se aplica aos sócios deste tipo societário a responsabilidade subsidiária constante no art. 134, VII, do CTN, ou seja, quando o capital social estiver totalmente integralizado e a dissolução ocorrer de forma regular, os sócios não respondem por eventuais débitos que a sociedade não pode arcar no momento da liquidação. Por outro lado, nos casos de dissolução irregular dessa sociedade, poderá ocorrer a responsabilização dos sócios-administradores nos termos do art. 135 do CTN, conforme será explorado a seguir.

7.2. OS LIMITES DA RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES CONSTANTE NO ART. 135, III DO CTN

Chega-se ao ponto central do presente trabalho, no qual se passa a analisar os aspectos relevantes e os limites que permitem a responsabilização pessoal do sócio administrador das sociedades limitadas nos termos do art. 135, III do CTN transcrito abaixo:

Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: [...] III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.

Conforme foi exposto anteriormente, a sociedade limitada, por possuir patrimônio próprio, responde por dívidas contraídas em seu nome exclusivamente com seu patrimônio, todavia, quando o administrador da PJ contraí essa dívida por meio de atos ilícitos – praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto – responderá pessoalmente e ilimitadamente com seu património.

Nesse sentido, o professor Paulo de Barros de Carvalho (2019, p. 361) nos ensina que:

O administrador deve sempre agir com cuidado, diligência e probidade. Deve zelar pelos interesses e pela finalidade da sociedade, o que se faz mediante o cumprimento de seu objetivo social, definido no estatuto ou no contrato social. Quando o administrador pratica qualquer ato dentro dos limites estabelecidos, o faz em nome da pessoa jurídica e não como ato particular seu. Mas quando o administrador, investido dos poderes de gestão da sociedade, pratica algo que extrapole os limites contidos nos contratos sociais, comete ato com excesso de poderes. (g.m.)

Com efeito, para que essa responsabilização recaía sobre a pessoa do sócio é necessário que o surgimento da obrigação tributária tenha decorrido da pratica de ato ilícito, desse modo, não basta que o fisco demonstre que o sócio praticou qualquer ato ilícito para responsabiliza-lo pelo crédito tributário, mas, sim, comprovar que o ato doloso praticado com excesso de poderes ou infração a lei, contrato social ou estatuto tenha ensejado o nascimento da obrigação tributária.

Destaca-se que a mera condição de sócio não é suficiente para responsabiliza-lo pelos créditos tributários, sendo necessário que este tenha poderes de gestão frente a sociedade, conforme se extrai da ementa do RE 94.697-RJ julgado pela segunda turma do Supremo Tribunal Federal, relatoria do Ministro Cordeiro Guerra, a seguir exposta:

EXECUTIVO FISCAL. SOMENTE OS BENS PARTICULARES DO SOCIO, QUE EXERCA OU TENHA EXERCIDO A GERENCIA DA SOCIEDADE, PODEM SER PENHORADOS POR DIVIDAS DESTAS, E, ASSIM MESMO, QUANDO TENHA AGIDO COM EXCESSO DE PODERES OU INFRAÇÃO DE LEI OU DO CONTRATO SOCIAL (RREE 76.538) 79.249, 80.249, 81.827, 83.357 E 85.463). RE NÃO CONHECIDO.[5]

Nesse mesmo sentido, nas palavras de Hugo de Brito Machado (2010, p. 168):

Destaque-se desde logo que a simples condição de socio não implica responsabilidade tributaria. O que gera a responsabilidade, nos termos do art. 135, III, do CTN, é a condição de administrador de bens alheios. Por isto a lei fala em diretores, gerentes ou representantes. Não em sócios. Assim, se o socio não é diretor, nem gerente, isto é, se não pratica atos de administração da sociedade, responsabilidade não tem pelos débitos tributários desta. (g.m.)

Portanto, é necessário comprovar que o sócio possuía poderes para agir em nome da pessoa jurídica e que os atos que resultaram na obrigação tributária foram praticados dolosamente com excesso de poderes ou infração a lei, contrato social ou estatuto.

Há divergências doutrinarias e jurisprudenciais quanto ao tipo de responsabilidade que o art. 135 do CTN traz ao dizer “são pessoalmente responsáveis”, verifica-se a existência de posicionamentos diversos, uns afirmam ser responsabilidade por substituição, outros por ser responsabilidade solidaria, e ainda, há os que afirmem ser responsabilidade por transferência exclusiva.

A professora Misabel Abreu Machado Derzi sustenta em sua obra que o art. 135 se trata de responsabilidade por substituição, argumenta que o administrador ao agir com dolo contra o contribuinte passa a ser o único responsável pelo crédito tributário, nas suas palavras (2018, p. 1639):

O caso, diferentemente do anterior, não é apenas de solidariedade, mas de responsabilidade por substituição. As pessoas indicadas no art. 135 passam a ser os responsáveis, em vez do contribuinte. [...] o terceiro que age com dolo, contrariando a lei, o mandato, o contrato social ou estatuto, dos quais decorrem os seus deveres, em relação ao contribuinte, de representação e administração, torna-se, no lugar do próprio contribuinte, o único responsável pelos tributos decorrentes daquela infração. (g.m.)

Já Sacha Calmon Navarra Coelho afirma que se trata de responsabilidade exclusiva do administrador que agiu com má-fé, transferindo integralmente a responsabilidade do contribuinte para os responsáveis quando cometerem infrações para obter ganho pessoal e prejudicar a pessoa jurídica, vale o recorte da seguinte passagem (2012, p. 654):

A responsabilidade passa a ser pessoal, plena e exclusiva desses terceiros. Isto ocorrerá quando eles procederem com manifesta malícia (mala fides) contra aqueles que representam, toda vez que for constatada a prática de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou com infração de lei, contrato social ou estatuto.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça ao julgar o REsp 1.104.064-RS[6] já entendeu tratar-se de responsabilidade exclusiva do administrador que praticou o ato ilícito, conforme se observa no trecho abaixo:

A dicção do caput do art. 135 do CTN deixa entrever que a responsabilidade do diretor, gerente ou representante de pessoa jurídica de direito privado, pela prática de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, é de natureza pessoal [...] o efeito gerado pela responsabilidade pessoal reside na exclusão do sujeito passivo da obrigação tributária (in casu, a empresa executada), que não mais será levado a responder pelo crédito tributário, tão logo seja comprovada qualquer das condutas dolosas previstas no art. 135 do CTN.

Em sentido contrário, o professor Hugo de Brito Machado (2010, p. 170) afirma que se trata de responsabilidade solidária e não por substituição ou exclusiva, argumenta que a responsabilidade do contribuinte decorre de sua condição de sujeito passivo direto da relação obrigacional tributária e que somente por previsão expressa poderá ocorrer a exclusão do contribuinte do polo passivo, e, no presente caso, o art. 135 apenas afirma que serão pessoalmente responsáveis, mas não diz que serão os únicos.

Nesse diapasão, o Superior Tribunal de Justiça ao julgar o REsp 1.455.490-PR[7] e o EREsp 174.532-PR[8] entendeu que a responsabilidade do sócio-gerente, por atos praticados com excesso de poderes ou infração a lei, contrato social ou estatuto, é solidária e não exclusiva. Vale transcrever a seguinte passagem do EREsp 174.532-PR:

Em qualquer espécie de sociedade comercial, é o patrimônio social que responde sempre e integralmente pelas dívidas sociais. Os diretores não respondem pessoalmente pelas obrigações contraídas em nome da sociedade, mas respondem para com esta e para com terceiros solidária e ilimitadamente pelo excesso de mandato e pelos atos praticados com violação do estatuto ou lei. (g.m.)

Conforme prescreve o art. 128 do CTN, a lei poderá atribuir responsabilidade pelo crédito tributário à terceira pessoa e excluir a responsabilidade do contribuinte, porém para exclui-lo precisaria fazer de modo expresso. Em um dos julgados supracitados (REsp 1.455.490-PR) o Tribunal Superior concluiu que não há previsão legal no Código Tributário Nacional ou em legislação esparsa que autorize a exclusão da responsabilidade tributária da pessoa jurídica em decorrência da pratica de ato irregular pelo sócio-gerente. 

Dessa forma, para nós a regra constante no art. 135 do CTN não se trata de responsabilidade por substituição, uma vez que a lei não traz, desde logo, quem será o responsável pelo crédito tributário que substituirá o contribuinte, sendo necessário analisar no caso concreto quem praticou o ato doloso para imputar-lhe responsabilidade.

O debate encontra maior discordância em classificar a responsabilidade como solidária ou exclusiva, visto que a finalidade da norma que atribui responsabilidade a terceiros é assegurar o adimplemento do crédito tributário, ou seja, essa norma busca garantir/facilitar o pagamento dos tributos com a inclusão de terceiros no polo passivo, todavia, excluindo a pessoa jurídica do polo passivo viabilizará o descumprimento das obrigações tributárias, uma vez que não é raro a pessoa jurídica possuir maior capacidade financeira em comparação ao sócio.

Apesar disso, quando a pratica de atos ilícitos pelo administrador causar a insolvência dessa empresa é evidente que a responsabilidade deve ser exclusiva, pois verifica-se que o sócio-gerente estava utilizando a pessoa jurídica apenas para obter ganho pessoal e fraudar os credores.

Em contrapartida, quando o sócio busca obter ganhos para a empresa sem vantagens pessoais, embora tenha praticado atos com excesso de poderes, observa-se que a empresa se beneficiou com tais atos, desse modo, há um interesse comum na situação que constituiu o fato gerador da obrigação principal, dessa forma, conforme prevê o art. 124, I do CTN, haverá responsabilidade solidária quando verificado o interesse comum.

Portanto, concordarmos com a corrente adotada pelo professor Hugo de Brito Machado e com o posicionamento do STJ nos julgados apresentados acima, concluindo que a responsabilidade prevista no art. 135 do CTN é por transferência solidária, mantendo o contribuinte no polo passivo em decorrência do interesse comum e também para facilitar o cumprimento da obrigação, contudo, comprovado o dolo especifico do administrador em causar dano à pessoa jurídica e a Fazenda Pública para obter ganho pessoal, cabe ao fisco fazer o lançamento diretamente em nome da pessoa física, passando a ser, nesse caso, responsabilidade exclusiva, com base no art. 137, III, “c” do CTN.

Feitas essas considerações, analisaremos o que consiste em atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos pelo sócio-gerente que causam o nascimento da obrigação tributária.

Entende-se por atos praticados com excesso aqueles que extrapolem os poderes outorgados pela legislação comercial e também os conferidos no contrato social ou estatuto da respectiva sociedade empresária. Em um trecho citado acima, o professor Paulo de Barros Carvalho (2019, p. 361) nos ensina que “quando o administrador, investido dos poderes de gestão da sociedade, pratica algo que extrapole os limites contidos nos contratos sociais, comete ato com excesso de poderes.”

Verifica-se que os atos praticados com excesso de poderes e os atos com infração ao contrato social ou estatuto se confundem, pois, conforme prevê o art. 997, VI do CC, cabe ao contrato social definir os poderes e as atribuições de seus respectivos sócios, desse modo, quando o sócio pratica atos com excesso de poderes também estará infringindo o contrato social ou estatuto.

Já em relação aos atos praticados com infração de lei, podemos considerar aqueles ilícitos graves que descumprem deveres jurídicos em nome da pessoa jurídica, porém atendendo aos interesses pessoais do sócio, trata-se de responsabilidade subjetiva sendo necessário a comprovação do dolo do agente.

O mero inadimplemento do crédito tributário, apesar de constitui-se uma infração a lei, por si só, não tem o condão de ensejar a responsabilização dos sócios, assim entendeu o Superior Tribunal de Justiça pacificando o tema por meio de julgamento de recursos repetitivos e da Súmula nº 430.

Conforme bem esclareceu o professor Ricardo Alexandre (2012, p. 412), o termo “por si só” contido na súmula supracitada evidencia que o mero inadimplemento não é causa de incidência do art. 135 do CTN, contudo, quando acrescido de outros eventos previstos na norma – excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto – poderá acarretar na responsabilização do sócio.

O posicionamento sumulado pelo STJ é de suma importância para resguardar a autonomia patrimonial e a segurança jurídica, uma vez que, se assim não fosse, os sócios seriam sempre responsáveis por dívidas da pessoa jurídica, visto que qualquer descumprimento de obrigação resultaria em infração de lei.

Outro fato que acarreta na responsabilização dos sócios-gerentes por tributos devidos pela pessoa jurídica é a dissolução irregular.

Conforme foi explorado no tópico anterior (5.1) o art. 134, VII, do CTN não se aplica às Ltdas., desse modo, ocorrendo a dissolução regular da limitada e o capital social já foi totalmente integralizado não há que se falar em responsabilidade dos sócios. Entretanto, quando estamos diante de uma dissolução irregular, o administrador poderá responder pelos débitos da pessoa jurídica, pois trata-se de ato com infração de lei.

Conforme o professor Paulo de Barros Carvalho (2019, p. 697) nos aponta, o procedimento de dissolução da pessoa jurídica ocorre basicamente com o seguinte conjunto de atos:

(I) a deliberação dos sócios de encerrar a sociedade; (II) a liquidação, mediante a realização do ativo, pagamento das dívidas e distribuição entre os sócios de eventual capital excedente; e (III) a efetiva extinção da pessoa jurídica por meio da sua averbação no registro comercial.

Dessa forma, a dissolução irregular ocorre quando os sócios não realizam todos os procedimentos necessários prescritos na lei comercial para extinguir a sociedade, muitas vezes simplesmente “fecham as portas” e não pagam seus credores, chamada também de dissolução de fato.

Nas palavras do professor Fabio Ulhoa Coelho (2011, p. 210) a dissolução de fato da sociedade acontece quando: “[...] os sócios, em vez de observarem o procedimento extintivo previsto em lei, limitam‑se a vender precipitadamente o acervo, a encerrar as atividades e se dispersarem.”

Quando estamos diante de uma dissolução irregular presume-se que os sócios se apropriaram dos bens da pessoa jurídica e simplesmente encerraram as atividades, todavia, não se trata de responsabilidade objetiva, havendo necessidade de comprovação do dolo do agente em apoderar-se dos bens da empresa.

Para tentar coibir essa pratica o STJ fixou o entendimento – por meio da Súmula nº 435 – que a sociedade que deixar de funcionar em seu domicílio fiscal e não realizar a devida atualização do novo endereço aos órgãos competentes (Secretaria da Receita Federal, Junta Comercial, etc.) será considerada dissolvida irregularmente possibilitando o redirecionamento da execução ao sócio-gerente.

Além disso, a primeira turma do STJ ao julgar o REsp 1.339.991-BA[9] já decidiu que a certidão emitida pelo oficial de justiça constitui indício suficiente de dissolução irregular, conforme se observa a seguir:

A certidão emitida por oficial de justiça, atestando que a empresa devedora não funciona mais no endereço constante dos seus assentamentos na junta comercial, constitui indício suficiente de dissolução irregular e autoriza o redirecionamento da execução fiscal contra os sócios-gerentes.

Como já mencionado anteriormente, não basta apenas a qualidade de sócio para possibilitar o redirecionamento da execução fiscal, é necessário verificar se esse sócio tinha poder de gerencia para administrar a empresa no momento da dissolução irregular, assim, não haverá responsabilidade do sócio não administrador ou daquele sócio-gerente que saiu regularmente do quadro societário antes da dissolução irregular.

Desse modo, compete ao fisco demonstrar que há indícios de dissolução irregular da sociedade e que o sócio-gerente que estava na administração da empresa à época dos fatos agiu dolosamente, sendo ônus do sócio atingido pelo redirecionamento comprovar que não agiu com dolo, culpa, fraude ou excesso de poder na forma do art. 135, III, do CTN[10].

Ante todo o exposto, conclui-se que a responsabilidade por atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto prevista no art. 135 do CTN é por transferência solidária entre contribuinte (pessoa jurídica) e responsável (sócio-gerente), decorrente desses atos quando praticados com dolo ou culpa pelo administrador, cabendo ao fisco demostrar a prática desta infração.

8. CONCLUSÃO

O presente trabalho tratou de analisar as possibilidades de responsabilização dos sócios administradores de sociedades limitadas, sob a luz da doutrina e jurisprudência dos Tribunais Superiores, nos casos de dissolução da sociedade, conforme prescreve o art. 134, VII, do CTN, e por atos praticados com abuso de poder ou violação à lei, contrato social ou estatuto, quando verificado o nascimento da obrigação tributária em decorrência desses atos, nos termos do art. 135, III, do CTN.

Com efeito, a sociedade limitada por possuir sua própria personalidade jurídica e patrimônio responderá exclusivamente pelas obrigações que contrair no curso de suas atividades comerciais, visto que o administrador ao assumir determinada obrigação age em nome da pessoa jurídica e não em nome próprio. Apesar disso, o administrador que extrapola seus poderes ou viola a lei ao assumir essa obrigação poderá ser compelido a adimplir o crédito tributário que deu causa uma vez comprovada a pratica dolosa do ato ilícito.

Destarte, tratando-se de dissolução regular, realizada a liquidação da sociedade e não sendo possível saldar todas as obrigações, entende-se que a responsabilidade subsidiária constante no art. 134, VII, do CTN não se aplica às sociedades limitadas, uma vez que este tipo societário não se caracteriza unicamente de sociedade de pessoas, mas sim uma forma mista e consequentemente foge da norma supracitada, ou seja, não ocorrendo irregularidade na pratica dos fatos geradores e nem no momento da dissolução da sociedade não haverá redirecionamento da execução ao sócio-gerente.

Por outro lado, tratando-se de dissolução irregular, por se tratar de ato praticado com infração à lei comercial, permite-se o redirecionamento da execução ao sócio-gerente, pois se presume que os sócios encerraram as atividades da empresa e apoderaram-se dos bens, todavia, tal presunção não é absoluta, cabendo ao fisco demonstrar os indícios dessa irregularidade e que fora praticada dolosamente pelo administrador. Nesse sentido, o STJ por meio da Súmula 435 firmou o entendimento de que será considerada irregularmente dissolvida a empresa que não manter a localização da sua sede atualizada nos órgãos competentes.

Em relação ao art. 135, III, do CTN, o qual permite responsabilizar o sócio-gerente por atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto, entendemos que se trata, em regra, de responsabilidade por transferência solidária, pois, nos casos em que o administrador tenha praticado atos com excesso de poderes ou infração de lei mas objetivou auferir benefício econômico para a empresa, haverá solidariedade por interesse comum, entretanto, verificado que o sócio-gerente utilizava a pessoa jurídica para satisfazer seus interesses pessoais e prejudicar os credores, acarretando na insolvência da PJ, cabe ao fisco realizar o lançamento diretamente contra o sócio-gerente.

Com efeito, embora consista em uma infração à lei, o mero inadimplemento do crédito tributário pela pessoa jurídica, por si só, não tem a capacidade de estender a obrigação tributária ao sócio administrador, conforme súmula 430 do STJ, pois caso contrário, transformar-se-ia o administrador em mero “fiador” da pessoa jurídica visto que toda e qualquer obrigação não adimplida permitiria responsabiliza-lo.

Cabe destacar que a mera condição de sócio não é capaz de imputar responsabilidade por créditos devidos pela pessoa jurídica, dessa forma, faz-se necessário que o sócio tenha poderes de gestão (diretores, gerentes ou representantes) e pratique os atos ilícitos dolosamente.

9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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[1] Regina Helena Costa (2020, p. 140): “redundante, pela ênfase dada ao caráter pecuniário da prestação.”

[2] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça - AgInt no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1644014 - SP (2020/0004672-6), Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/09/2020, DJe 17/09/2020. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/. Acessado em: 18/01/2021

[3] BRASIL. Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Sexta Turma, AMS 89.03.032119-7 /SP, Classe do Processo: AMS 12466, Relatora Desembargadora Federal Marli Ferreira, julgamento 18/06/2003, v. u., DJU 08/08/2003. Disponível em: https://www.trf3.jus.br/. Acessado em: 19/01/2021.

[4] SOCIEDADE DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. EXECUTIVO FISCAL CONTRA OS SOCIOS. 1. A SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE E MISTA E NÃO DE PESSOAS. 2. SE EXTINTA, O EXECUTIVO FISCAL, PELAS DIVIDAS DELA, SÓ PODERA ATINGIR OS BENS DOS SOCIOS SE VERIFICADAS AS CIRCUNSTANCIAS EXCEPCIONAIS DOS ARTS. 134 E 135, DO CTN [...] (g.m) BRASIL. Supremo Tribunal Federal - RE: 70870 SP, Relator: Min. ALIOMAR BALEEIRO, Data de Julgamento: 08/06/1973, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 05-10-1973 PP-*****. Disponível em: https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14649925/recurso-extraordinario-re-70870-sp. Acessado em: 14/01/2021.

[5] BRASIL. Supremo Tribunal Federal - RE: 94697 RJ, Relator: CORDEIRO GUERRA, Data de Julgamento: 19/03/1982, Segunda Turma, Data de Publicação: DJ 30-04-1982 PP-04006 EMENT VOL-01252-02 PP-00364 RTJ VOL-00101-03 PP-01263. Disponível em: https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/912204/recurso-extraordinario-re-94697-rj?ref=juris-tabs. Acessado em: 18/01/2021.

[6] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça – REsp: 1104064 RS 2008/0246946-0, Relator: Ministro LUIZ FUX, Data de Julgamento: 02/12/2010, T1 – PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/12/2010. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/17995517/recurso-especial-resp-1104064-rs-2008-0246946-0/inteiro-teor-17995518. Acessado em: 20/01/2021

[7] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça – REsp: 1455490 PR 2014/0121250-6, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 26/08/2014, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 25/09/2014 RDDT vol. 233 p.160. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/865008737/recurso-especial-resp-1455490-pr-2014-0121250-6/inteiro-teor-865008747?ref=juris-tabs. Acessado em: 20/01/2021.

[8] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça – EREsp: 174532 PR 2000/0121148-0, Relator: Ministro JOSÉ DELGADO, Data de Julgamento: 18/06/2001, S1- PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJ 20/08/2001 p. 342. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/19683914/embargos-de-divergencia-no-recurso-especial-eresp-174532-pr-2000-0121148-0/inteiro-teor-19683915. Acessado em: 20/01/2021

[9] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça – AgRg no AREsp: 743185 RS 2015/0169505-2, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 08/09/2015, T2 – Segunda Turma, Data de Publicação: DJe 16/09/2015. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/865641168/agravo-regimental-no-recurso-especial-agrg-no-resp-1339991-ba-2012-0176479-1. Acessado em: 26/01/2020.

[10] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça - AgRg no REsp: 1.091.371-MG 2008/0212394-3, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgament0: 21/10/2010, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 05/11/2010. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/17360485/agravo-regimental-no-recurso-especial-agrg-no-resp-1091371-mg-2008-0212394-3. Acessado em: 26/01/2021.

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LEONARDO SANCHES

PROF. DR. LUIZ CARLOS FERRARESI


Publicado por: Leonardo Sanches

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